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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Aí, sim...

Ah, os relógios, todos terríveis, não os suporto mais!
É um fardo no estribilho dos meus dias,
E há dias que não saio deste inferno.
Onde estamos?
São o meu infortúnio aquelas catracas.
Aqueles ponteiros me levam ao mais ínfimo dos infernos.
E este inferno é o martelo da bipartição da minha consciência.
Aonde iremos afinal?
Juntar-nos aos ignorantes e clamar por um libertador?
Nós é que somos os últimos baluartes esquecidos.
A pena está em nossas mãos...
Ouço a barafunda das mil vozes endemoninhadas de minha liberdade.
Quem irá me ouvir?
Não tente me devorar, Cronos...
Sou o teu filho
E irei te libertar desta agonia...
Vamos,
Dei-me a mão e nos lançaremos deste monte até o fim.
Aí, sim...
Estaremos livres de vez.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Até a Venus abrir as portas de sua percepção.

Ah, a impenetrabilidade...
Eis um desafio para os mancebos.
Do que nos resta a juventude?
Meio mundo de sonhos infames?
Ali se foi todo o moralismo obtuso,
Todo o maniqueísmo litúrgico
E o véu sujo da divindade.
Aquela nudez palpável
Irá destruir mil Tróias no mundo
E os templos cairão por terra.
Não irá sobrar sequer um demônio
Nem mesmo as musas de Safo
E os pervertidos velhos barbudos.
Os desvairados irão beber todo o sangue
Até a Venus abrir as portas de sua percepção.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Pule!

Do alto da montanha, pulo
Até o rio que corre ao mar.
Este é meu vôo sobre o vento
Que nem todos podem ter
Nem sonhar...
Há o vento,
Deitado no horizonte...
Vamos até lá?
Venha comigo, brisa.
Ouça o barulho de minhas asas...
Este é o poema escrito no corpo.
Deixe na praia a poeira do vidro
E vamos até depois do mar...
Precisamos cultivar a nova terra
Para os que ainda saltarão da montanha
No rio que corre ao mar.
Pule!
E venha comigo...

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Eu sei...

Ah, o retorno é sempre bom...
Depois de quebrar os deuses de alabastro
E lançar-me fora da carruagem faiscada,
Retorno ao velho moinho de pedra,
Desço o poço até a fonte.
Lá estão Orfeu e os outros tocando a bela música
E todos os outros bárbaros...
Eles cantam e dançam como índios entorpecidos,
Reinventando o velho universo.
Lá no fundo do poço o barro arde áspero e quente.
E com a argila esculpem a nova Grécia, Roma e Pérsia.
O mundo pertence aos bárbaros,
Eu sei...
É preciso subir ao extremo norte
Onde não há argila nem alabastro,
Para tornar-se pacífico e eterno mancebo.
Por isso deixo aqui os velhos barbudos e os pedreiros
E subo!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Soneto n° 1

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

domingo, 19 de junho de 2011

Até que a luz se volta...

Há dias que o sol escurece
E não há sequer as chispas de uma candela.
As cores afugentam-se todas
Numa imensa imagem escura, inóspita...
É o inferno, indubitável e perverso
Com os demônios mascarados
À procura de suas faces perdidas...
Eu vejo os vultos e suas máscaras
Na multifacetada máscara do outro,
Máscaras dos demônios no escuro...
E um deles olha pra mim
Com seus olhos cristãos...
Como nos meus velhos olhos no espelho.
Até que luz se volta...

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O pobre pássaro

De tanto voar, cansa o pássaro,
Entediado do céu aberto, imenso...
Chega até larga o céu por algo intenso,
Algo difícil de ver, de tão puro e raro.

E busca a vida inteira o pobre pássaro...
Até achar o que procura de tão escondido.
Busca, busca até sentir o próprio sentido...
E quando encontra, paga um preço caro.

É uma loucura voar o céu perdido.
Sem saber onde pousar acaba ferido,
Sem o azul do céu imenso e claro...

E aí termina preso o pobre pássaro...
Com a ruína de seu destino sofrido,
Cantando pro seu amor não ser esquecido!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Soneto Maldito III

Depois do imenso ego ferido,
O moralismo perde a calma
E se enche de ódio até a alma
Como o velho diabo perdido.

É a insensatez a própria vaidade
Que liberta o demônio proibido,
Abrigando no coração, escondido,
O sopro dos moinhos da maldade.

E jorra o ódio como a água na fonte,
Molhando os olhos, franzindo a fronte,
Rosnando planos pelos próprios dentes.

É a liberdade humana e as suas fraquezas
Que dominam as idéias e as suas certezas,
Acabando com a pureza de todas as mentes.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Soneto Maldito II

É o inferno toda a imaginação
E a verdade é simples e pura!
Os demônios sofrem de solidão,
E perdidos, se enchem de loucura.

Aí o negro céu da mentira fura...
E se desfaz na tempestade o enredo
Que no tempo o sonho era o segredo
Pra encontrar no fundo a própria cura.

Que diabos a mentira esconde?
E a maldade termina onde?
No infinito da indagação?

Malditos, perdidos pela usura,
Jamais terão a candura
De ter puro o próprio coração.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Seco ou tinto...

– Um vinho, por favor...
– Seco ou tinto?
– Seco e meio amargo...
Amargo... como a vida é as vezes, amarga.
Foi a um tempo perdido que os relógios jamais o trarão de volta nas voltas que o ponteiro dá. Era quando existia eternidade e eu podia correr atrás de Alice no seu país fantasioso... eu corria na minha infância... corria os campos pra bem longe de todos... corria livremente com o vento no rosto como um pássaro... eu corria livremente...
– Por favor, você poderia pedir ao pianista que me tocasse a Opus 37 de Chopin. É um pedido de aniversário.
– Claro. Tenha as nossas congratulações, senhor...
Alice... por trás de toda a vida há uma grande paixão. É imprescindível viver a experiência de uma grande paixão e incomensurável a sua importância em nossa vida. Mesmo quão grande seja a infindável frustração de nossas vontades...
– O vinho está ótimo e Chopin, como sempre, inenarrável.
Quando nasci, eu deveria ter sido lançado do monte Taigeto como os filhos impróprios de Esparta. – Sorte! Meus pais tiveram compaixão de minha aparência um tanto diferente. A fissura labial é um problema congênito e provoca uma fisionomia fora dos padrões estéticos de beleza. É um toque divino que põe alguns indivíduos no seu lugar um pouco atrás das possibilidades romanescas e um pouco à frente na lista dos mais perturbados com os mais horrendos opróbrios escolares. Aliás, a minha vida toda foi uma grande chacota, divina. É a permissividade dos céus na construção de conflitos espetaculosos para a grande tragédia da vida. O prazer às vezes consiste em assistir a dor dos outros. – Sorte! Meu pai era arquiteto e minha mãe, médica. Financiaram uma cirurgia planejada para quando os meus lábios estivessem mais desenvolvidos, para camuflar a falha genética, amenizando meu problema com as mulheres quando completei dezoito anos. Mas nada superou meus traumas psicológicos...
– Grande Chopin... consegue traduzir as paixões e aflições de um ser como eu em um belo piano. Adoro a música... sinto a alma... sinto a vida sendo consumada poeticamente... sinto... é bom sentir, sobretudo a vida.
– Por favor, traga-me outra taça de vinho, o mais amargo que tiver!
Eu tinha dezoito anos quando conheci Alice... foi perto do farol, do mar... a praia era das gaivotas e eu as fotografava. Uma moça voava os cabelos no vento do mar... lindos aqueles cachos negros e o vestido branco... era quase uma noiva... não pude deixar de fotografá-la... “Oi, posso lhe entregar uma coisa?”; “Oi... que coisa?”; “Isto...”; “Ah, que lindo, uma foto minha...”; “O enquadramento era mais bonito que o das gaivotas.”; “Obrigada, o meu nome é Alice...” Alice... tornamo-nos amigos e posteriormente namorados... Foi a minha eternidade aquele amor, foi a minha vida... era bom viver... antes eu era um fracassado, vivia me escondendo das pessoas com medo de mais opróbrios, com medo de que me olhassem com aquele horror. Depois da cirurgia fiquei bem melhor. Pude viver de verdade e na agradável companhia de Alice. Nadávamos juntos no mar, subíamos a colina, corríamos os campos... posso dizer que nos amávamos. E como amei aquela mulher... a vida, é talvez essa troca energética entre corpos que depois se dissipa...
– Por favor, mais um pedido de aniversariante: Você poderia tocar a Nocturne in F sharp minor. Opus 48. No. 2? Chopin é o meu predileto.
– Claro senhor!
Eu estava de regresso com Alice de um restaurante como este. Comemorávamos o primeiro calendário do nosso romance. Na esquina da rua esperávamos o sinal dos pedestres... um carro em alta velocidade se precipitou no asfalto molhado... os veículos são meios facilitadores de locomoção. O problema está na velocidade que é um grande perigo para os automóveis e principalmente para os inocentes. Pior que isso não tem nada a ver com deus. Os ponteiros moveram-se cinco graus de segundo e foi o suficiente para arruinar o sonho de minha vida. Pobre Alice... o chão tinto de sangue... foi a queda do alto do Taigeto... tudo tão rápido que deu pra perceber a ternura dos pingos da chuva cruzar o céu lentamente... o beijo do destino no asfalto molhado... tornei-me um homem seco...
– Chopin e vinho...
A paralisia é insuportável! Eu não me suporto e ninguém suporta um paralítico pessimista, cético e ateísta como eu! A questão é que a vida torna-se às vezes um grande malfado e é compreensível o suicídio. Mas tornei-me forte depois de ter nascido frágil, para superar a morte. Ou talvez seja o covarde medo da morte. Pior que isso, é perceber aos poucos que o amor é apenas uma convenção de trocas. Trocas subordinadas, mútuas... e proporcionalmente Alice vinha me tratando diferente por todas as minhas diferenças... talvez porque ela percebeu que não éramos mais compatíveis... não haveria condições de sustentar, na titânica juventude, a invalidez alheia... tudo por uma questão de proporções... é o destino trágico que está presente em alguns seres vivos: como os sapos que não tornaram-se príncipes e foram engolidos pelas cobras; e as cobras que foram devoradas pelos abutres; as girafas que foram ingeridas pelos leões; e os seres humanos que não escaparam da terrível cadeia alimentar. Os fracos são facilmente substituídos e consumidos pelos fortes. E tudo isso é mais uma genial ideia divina...
– Por quê? Por que deus faz isso com a gente? Talvez ele não exista para ouvir tudo isto. Ou talvez eu seja insignificante porque nunca ouvir a voz dele... Ahahaha... esqueci que as vezes falta sorte...
– Disse alguma coisa senhor?
– Sim! Traga-me outra dose de vinho, mas desta vez, tinto e doce...
– Sim senhor!
– Bravo Chopin! Bravo... Aplausos... Bravo...
Os artistas nascem da escuridão, como as estrelas!...
– Aqui está o seu vinho senhor...
– Está ótimo! Posso fazer o último pedido de aniversário?
– Claro senhor, se estiver sob o meu alcance...
– Você tem sorte, tenho um presentinho pra você também hoje... mas diga ao pianista que eu gostaria de tocar a próxima música. Nocturne in F minor, Opus 55. Afinal não é todo dia que completamos 23 anos de vida!

Washington Machado.
26 de maio de 2011.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Soneto Maldito I

Numa sala vazia do inconsciente,
Há um vulto imbuído de maldade.
Vagando entre sonhos, veemente,
Maquinando desejos de crueldade.

Cuspindo fogo e gelo entre os dentes,
Sorrindo com máscaras de falsidade.
Fitando, odioso, com olhos pertinentes,
Os pobres, perdidos de honestidade.

E os templos sagrados vão aos ventos...
Deixando nos pobres muitos tormentos
Que, endoidecidos, rendem-se à maldade.

Vagueando, perdidos, deficientes...
Cegos... pobres filhos, inocentes
De um pai, que é o pai da crueldade.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011



Aí eu vi o passarinho voar o grande trigal
E voava tão bem aquela planície amarela...
Ele voava
E nada o prendia.
Voava mesmo!
E o vento assanhava os ramos riçados de trigo...
O passarinho voava... voava...
E voava para longe dos caçadores com suas gaiolas.
Voava para longe... longe...
E voando foi-se embora.
Passarinho...

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