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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Última volta...

É a última volta do ponteiro
As almas já estão cansadas...
O corpo esgotado por inteiro;
O resto são ruínas desgraçadas.

É o tempo cobrando as migalhas,
Destruindo palácios, castelos, muralhas...
Levando, aos poucos, pedaços;
Deixando apenas cansaços.

E é o tempo que torna a vida perdida,
Que corrói amores, criando feridas,
Dilacerando até mesmo os fortes...

O tempo... acenando a nossa partida;
Fazendo as histórias tornarem esquecidas...
Acabando com tudo no seu rastro de mortes.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010





Pronto!
Agora soltei os pássaros selvagens...
Gaiola aberta e eles vão voar por aí.
Não restou sequer um.
Apenas o vento calmo do verão
Na beirada do mar.
Eles estavam furiosos
E eu os deixei fugir.
Era isso o que queriam:
Voar a imensidão azul do céu...
São livres!
De vez!
Mas, eu sei...
Eu sempre soube!
Eles vão voltar,
Famintos e desesperados,
Sedentos de meu mundo...
Voem pobres pássaros!
Eu vos tornei livres,
Atrelados apenas
Ao que eu posso chamar de
Amor.

sábado, 2 de outubro de 2010




Ah, todos são cruéis!
Basta apenas pisar os calos
E os demônios se soltam,
Cuspindo fogo e gelo...
Mostrando os dentes ferozes...
Uma hipocrisia de bondade é ensinada,
Um amor utópico é proposto...
Mas nós somos incapazes,
Aliás, somos mais que isso,
Somos filhos de um Deus Atroz;
De uma natureza injusta e falha...
Temos em nós mesmos a insensatez,
O egoísmo, a ira e a maldade...
Somos o fruto da crueldade,
Com resquícios da incompetência divina...
Somos o traslado da criação.
A criação!
Oh, estrela matutina,
Queimarás no fogo e no enxofre,
Serás pisoteado por desvendar os olhos,
Pelos pés calejados
De teu pai,
O teu algoz...
- Doidos são os poetas que morrem cedo...

terça-feira, 21 de setembro de 2010


Ali,
Do outro lado da janela,
Mora o pássaro
Comedor de migalhas...
Ele voa alto,
Mas insiste descer o chão!
Asas malditas,
Feitas de cera;
Jamais chegará ao sol!
– Morrerá,
Se quiser voar,
No alçapão:
De dor,
De fome,
Preso!
Pobre pássaro
Encarcerado...
Livre é o pensamento...
Dentro ou fora de uma janela,
Com um papel
E uma caneta em mão.

domingo, 19 de setembro de 2010




Por hora, deitei a caneta.
Há um tempo que antecede o trovão...
Antes da tempestade o vento sopra
Calmo, até ficar furioso.
Aí o cinza torna-se escuro,
Mas eu ainda sou o branco, o branco...
Protejam-se da tempestade,
Ela é avisada nos moinhos...
Fiquem atentos a não cuspir o vento,
Ele trás consigo fogo e gelo;
E é medonho a destruir os templos...
Por hora, o papel é branco.
Mas há um rascunho de poesia.

sábado, 31 de julho de 2010

Instante Breve

Leve-me, brisa! Leve...
No teu céu, sem nenhum tormento.
Livre como o próprio vento...
Mesmo que num instante breve.

Leve-me, alto, sob as montanhas,
Ou sob todas as ondas do mar...
Sobre o mundo, me faça voar...
E conhecer as tuas façanhas.

Um sopro de boas venturas,
Longe de todas as agruras;
Acima dos campos de neve...

Leve-me, brisa! No aroma das flores,
Por cima dos jardins dos amores,
E sob os lençóis que sempre nos serve!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Este romance

Livre! Como o vento e verso...
Puro! Como os sonhos do novo mundo.
Algo visto nos olhos, sentido no fundo;
Grande! Tanto quanto o próprio universo.

É assim, este romance garrido, insaciado.
Tão doce quanto os sonhos da infância...
Saudoso! Quando vivido à distância.
Gratuito! – que nunca seja acabado.

E de todas as venturas da vida, vividas:
As nossas histórias (jamais esquecidas);
E os momentos mais simples e poetizados...

E de todo o tempo, que em vida, iremos viver:
Quero estar contigo –, quiçá depois de morrer.
E que seja este romance: perpétuo e eternizado!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Em um pesadelo estroboscópico

Em um pesadelo estroboscópico,
Ouço, no ângelus, Gounod ou é Schubert...
E uma velha senhora cheirando fumo
Num banquinho de madeira.
E o “portador da luz”, numa viela escura, sorrindo...
Nada me acontece na última estação.
O trem parou sem passageiros,
Desci sem bagagens; quase nu,
Salvo pela bermuda!
Chinelas brancas, sujas de terra.
A cidade cheia de anjos expulsos...
A velha me olhando, baforando o cachimbo!
A barriga contorcida de frio.
Paro na cancela da cidade,
O trem não me leva de volta.
Eu me esforço e acordo,
Com a fronte e a nuca suada.

domingo, 11 de julho de 2010

Ao som do gramofone - última parte!

“Como ousam?” Foi o que disse o pobre, eu me lembro muito bem. E ele estava armado! “Não ouses fazer nada, Dilermando.” Disse Brígida Cécile, e os seus olhos outrora miúdos e ternos sob os efeitos do vinho, ficaram medrosos e lúcidos diante do homem que jurava acabar com nossas vidas. É, foi uma traição! Segredo maldito! Vi nos olhos do podre a barafunda de vários demônios e o brilho do choro de um orgulho ferido. O ciúme o fez morder os dentes como um animal feroz. O piano tocava Nocturne... Cécile tomou-me a frente e precipitou-se para evitar o que já estava premeditado. Aliás, tudo ali era o resultado de uma equação de fatores que se igualavam ao crime previsto. Tudo já estava concebido, predeterminado, era o resultado de nossas afeições pérfidas que tinham sido incólumes até ali. Tudo era previsível e nós estávamos inebriados pela volúpia. Traímos aquele homem... Aquele pobre homem cujos olhos queimavam como o opala dos olhos do lince na escuridão da noite. “Você não vai fazer isso, Dilermando! Não deves...” Eu disse, com um fardo nas costas e um punhal enfiado no âmago da consciência. Mas ele estava consumido pelo ódio e pelas feridas do orgulho... Apontou o Nagant em minha direção... Cécile tentou detê-lo, mas ele atirou mesmo assim... Foi como um ferro que me perfurou o pé um dia nas trelas da infância. Mas desta vez foi com o calor de dez mil infernos sob o meu trapézio tênue ao pescoço. O miserável atirou em mim! E o segundo tiro, quando Brígida correu para evitá-lo, para me defender, jurando que pelo amor ele não atiraria... Acertou-a no estômago. Foi tudo tão rápido como um relâmpago... A miopia de sua insensatez o fez vergar no arrependimento. O desespero o fizera cego e ele só enxergava pela lanterna do ódio o meu ocaso. Queria-me ver o líquido rubro escorrer até o fim. Cécile segurava o revolver com força agonizando no chão da porta e ele, de joelhos, tentava tomá-lo, mas não sabia o que fazer diante dela sangrando. Fui talvez covarde em bater num homem de joelhos. E o bati com a garrafa de vinho na cabeça e pelo mesmo desespero o empurrei das escadas. Oh, Cécile, pobre Cécile... Tomei dela a arma e fui conferir o homem que se levantara armado com um punhal. Ele tivera vindo preparado como a morte trás a sua foice. Por Deus, atirei naquele homem as últimas balas do revolver. Tudo como um raio da loucura fez daquela noite a mortalha que me cobriu o luto até hoje. E nada mais vejo além desse véu negro que me cobriu a vida. Voltei até Brígida e ela me olhava do chão com o último brilho de seus olhos. Misérrimo! Maldito eu sou! Não falou nada... Sua boca estava na cor púrpura da morte... O pulso não palpitava mais... Lembrei-me de Ana deitada no féretro... Aquele segredo maldito não era honesto. Não era digno da pureza que nos envolvia os lençóis. Por Deus o que eu fui fazer na França? Acabar com a vida de uma moça e de um rapaz, de uma família? Fiquei ali, deitado junto a Brígida sentindo seu último alento. Até que o tio Antoine chegou e me viu aos prantos. Ele também entrou em desespero e não tardou deduzir que eu era o assassino. Olhou-me com a brasa dos olhos enviesados de desentendimento. Eu o entendo! De certa forma eu causei aquele infortúnio todo. Aquela bancarrota maldita. “O que você fez seu assassino miserável?” disse o meu amigo do barco. “Você não entende, Dilermando entrou aqui com o Nagant apontado pra mim...” Eu disse como um menino arrependido que matou o pássaro numa brincadeira. O meu ombro sangrava varado pela bala. Os vizinhos deveriam ter ouvido os disparos e já deveriam ter chamado a polícia ou, contudo, não quiseram se meter. Ele correu para o outro quarto onde suponho ter ido buscar a espingarda e eu corri levando comigo as angustias daquela noite. Desci as escadas e peguei a chave do barco na porta da cozinha, fui para o cais... Corri para longe e para tentar explicar depois tudo aquilo. Corri para o porto onde estava o barco... De lá eu não o vi mais. Fugi para a Espanha naquela madrugada, cheguei ao meio dia na manhã seguinte. O ferimento estancou na viagem. Deixei o barco no porto de Málaga e esfriei a cabeça sob a brisa das andaluzas. Por sorte um navio iria para o Brasil no dia seguinte. Lá deixei aquele barco e com um pouco de dinheiro paguei a passagem de volta. O navio fazia escala em Recife e eu estive de volta à Rua da Matriz no dia vinte e nove de outubro de 1926. Irei poupá-los dos detalhes da viagem. Aqui estive encarcerado, preso às minhas agruras até hoje por toda aquela desventura. Definitivamente eu não tive mais ânimo pra nada. Carreguei em mim a maldição de um crime. Eu deveria ter morrido no lugar de Ana e de Brígida. Eu deveria ter me matado desde aquele enterro. Eu arruinei uma família, a vida de uma pobre moça. Deus não dever ter mais planos para mim... E a minha esposa deve estar me esperando em algum lugar... Escrevo aqui esta história maldita para que, se algum dia, alguém a possa ler: faça-a chegar às mãos de Antoine, e que ele me entenda. No altar da igreja da Matriz eu pedi a Deus que me perdoasse. Na volta do mercado caía um chuvisco e acabou molhando a corda, ficou encharcada e talvez o laço não funcionasse bem. Mas eu prefiro usá-la mesmo assim...

Aqui, em memória de Ana, Brígida, Dilermando e Antoine; deixo esta história! E ao som do gramofone ouço Chopin pela última vez.

Recife, 1º de janeiro de 1927.

João Alves Pereira.

sábado, 3 de julho de 2010

Ao som do gramofone - 2ª parte...

Marseille, nove de outubro de 1926. Brígida vinha mantendo um segredo para o namorado e o tio. Eu também! Porém com grandes ressentimentos, e que isso não me livrava da culpa de adultério. Os segredos são coisas naturais que suponho todas as pessoas devem ter. Mas o nosso não era um segredo honesto, e, pois, tratava-se de um segredo que ia de encontro com as propostas anteriormente acertadas com o namorado. Um namoro pré-supõe uma fidelidade conjugal e ela não vinha seguindo essa proposta que está subentendida em um romance. O fato era que Dilermando também não lhe era fiel e seguia uma vida promíscua pelos cafés meretrícios da cidade. Ademais era um romance por conveniências futuras de um casamento que serviria de sustentáculo para a vida de uma moça que já era órfão. Contudo, ela não parecia feliz. Dilermando era um homem forte, alto e já acumulava uma pequena fortuna familiar. Era também um rapaz bonito diante dos olhos femininos; muito bem quisto e se dizia apaixonado. Brígida o conhecia desde criança. Foi inevitável aquele romance! Até mesmo as núpcias antes do casamento. E Marseille é uma cidade concupiscente, sendo também muito natural que um casal de namorados que se pretendiam casar, transarem antes do casamento. Seria frustrante esperar todas as cerimônias matrimoniais para algo que se pretende fazer há todo momento. E talvez seja este o maior sentido de nossas vaidades: o sexo! Tudo o que fazemos tem um fim nele, ou pretende-se! Brígida me contou que sua primeira vez foi no barco do tio quando tinha dezesseis anos. Confessou também que Dilermando forçou até que tudo acontecesse. E isso é revoltante! Fiquei imaginando como deveria ter sido aquela cópula forçada quando fui pescar com o barco. O tio soube e tiveram que continuar o namoro e se preparar para o casamento, para limpar a desonra. Um estupro do próprio namorado. Cécile tinha os olhos libidinosos... vestia-se com roupas provocantes, era uma deusa... Continuamos com o nosso segredo e sempre após fechar o café deitávamos juntos, exceto nos finais de semana quando Dilermando voltava de suas viagens e vinha dormir no quarto dela. O tio já tinha aceitado a idéia. Nos sábados à noite, após fechar o café, eu pegava o gramofone emprestado a Antoine e o levava para o sótão, ouvia o saudoso Chopin, e olhava as luzes da cidade de Marseille. Uma cidade linda! De muitas cores e pessoas elegantes... até os mendigos eram elegantes! O idioma reverberava nos ouvidos como poesia... até mesmo os palavrões dos insatisfeitos nas feiras. Eu adorava dizer “le vent m'a amené ici” (o vento me trouxe até aqui)... ou como dizia Cécile: “La vie sans musique serait une erreur” (a vida sem música seria um erro), uma frase de um filósofo alemão. Ela tinha uma rabeca... eu adorava ouvi-la tocar as modinhas francesas e as sinfonias clássicas. O sótão era um quarto apertado, mas além da cama e algumas caixas velhas, a janela e as paredes de tijolos ingleses e a abóbada de madeira, havia uns quadros em estado de mofo no escanteio que me eram interessantes. Não eram lá as meninas no piano de Renoir, mas eram pinturas que de alguma forma me incentivavam a pintar também. Aliás, a França cheira a arte por todas as esquinas: são pintores, poetas, músicos, cantores, atores, escultores e artistas de circo espalhados por toda a cidade. Tudo era um incentivo para produzir arte, uma inspiração para fazer algo fora da esfera trivial da vida. Lembrava-me de Ana e de suas poesias. Ela também arriscava umas pinceladas a óleo. Umas imagens distorcidas, embaçadas, tristes... A ociosidade do domingo e o cheiro de arte que me inebriava o vento me fez comprar umas telas brancas, pincéis e tintas. Não sabia como começar, mas o ofício de pintar era no mínimo lúdico. Por gentileza, Antoine dizia que eram belas imagens. E eu encontrei ali, naquele exercício de pintar o maior subterfúgio para o frio de minhas unhas e o pigarro de meu choro engolido da morte de Ana. Chorava escondido no sótão... sonhava em ter filhos e viver por toda a eternidade. Que ingenuidade a minha. Deus é que é o dono dos planos... não entendia os planos de deus que me disse o padre. A vida tem aquele gosto amargo do dia que o médico me disse que Ana iria morrer. E agora posso entender porque as pinturas dela eram embaçadas... eram as lágrimas que davam um desfoque e a imagem do quadro fica distorcida. Ela sabia que iria morrer desde antes. Resolvi pintar, pintar e pintar sempre que eu pudesse com o mesmo desfoco que as lágrimas davam às minhas lembranças. Figuras pessimistas era o mote de minhas telas, a morte em especial. Naquele mesmo domingo fui ao Théâtre National de Marseille (Teatro nacional de Marseille), ali mesmo na avenida: Quai de Rive Nueve, próximo de casa. Era uma comédia de Moliere. Foi um convite que uma atriz tinha dado a Antoine, mas ele iria para outro lugar... fui porque ele me deu o convite. Mas percebi que naquele dia não estava com clima para comédias e voltei pra casa, beirando a calçada... uma voz alta na entra, uma discussão e era Dilermando dizendo que iria bater na moça porque disseram a ele que ela tinha andado de conversinhas com um cliente do café. Quando me viu entrar ousou dizer que não me metesse. Dilermando usava armas como um homem que deve ou quer dever a vida. Cécile disse-me com os olhos que eu subisse. Fiquei esperando-o ir embora com as artérias pulsando na fronte. Ele se foi. Brígida achava que deveria terminar aquele namoro, mas o tio não queria sua desonra. Desonra? Esses conceitos éticos atrofiam e carcomem a liberdade. Eu subi para o sótão e me pus a ouvir o gramofone... Chopin outra vez com a sinfonia Nocturne. Não tardou que Brígida subisse também... eu não sabia se deveria continuar com aqueles desvarios... segredos malditos. Antoine não dormiria naquela noite em casa. Ela estava com um vestido de flores vermelhas e laços no decote. E desta vez trouxe-me um vinho tinto do porto... soltou os laços e deitou na cama. Lembro do gosto do vinho ainda nos lábios dela; o cheiro da nuca e dos cabelos, os seios que me pus a beijar... não quero que sejam confissões eróticas, mas ela tinha algo que me desencaminhava, induzia. Ainda mais é um desejo natural que faz um homem e uma mulher se deitarem, mesmo sendo algo fora das liturgias religiosas. A noite não parecia acabar e estávamos cada vez mais ébrios. Até que Dilermando abre a porta abruptamente e nos vê sob os lençóis...

Continua...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Ao som do gramofone...

Recife, quatro de Julho de 1926. O gramofone tocava a última peça do disco de Chopin. Chopin é sempre fantástico como os momentos mais nostálgicos que temos. Ouço-o agora! E era um fim de tarde chuvoso como nos dias mais triste da vida. A chuva, de alguma forma parece ter alguma ligação mística com a morte... Preferi ouvir a música até o fim a tirar o luto ainda com os vermes taciturnos do campo-santo. Fiquei ali junto aos sapatos, olhando da janela como quem olha o oceano sem fim. Poucas pessoas passavam com seus guarda-chuvas para irem à Igreja da Matriz. A Boa Vista já era vazia nos domingos sem o comércio, e a chuva contribuía para que ela fosse ainda mais sozinha naquela quinta hora e meia da tarde. A missa começava às seis. Mas para mim não importava mais a missa nem as horas, quiçá o tempo não me fosse tão emérito quanto antes. Chorei ao vê-la no féretro... ainda estava linda como na mocidade! Cabelos vermelhos e um vestido lindo... O médico falou-me que o tumor cresceu rápido e não havia mais jeito. Ocupou todo o intestino e ela foi emagrecendo aos poucos. Era uma mulher de corpo magro e definido, mas ficou ainda mais magra de repente. Ela sentia de alguma forma que iria morrer... dizia que se encontrasse a morte pediria a ela que não a levasse antes que ela conhecesse o amor! Vinte e um anos... apenas seis meses de casados e não tardou aquele câncer maldito. Sonhava em conhecer a França... falava que era um lugar lindo para morar e viver um belo romance; tomar café, pintar quadros, transar e escrever poesias... A França é realmente linda para tudo isso. Mas não pude levá-la na nossa lua de mel. Eu trabalhava no porto do Recife: enchendo os navios de açúcar, e em casa concertava alguns sapatos e ainda fabricava moveis com um amigo. Mais não era o bastante para bancar a nossa viagem. Naquela tarde, após fechar a porta do ataúde e despedir-me dos familiares e amigos, voltei pra casa, sozinho: andando do cemitério de Santo Amaro até a rua da matriz, nº 89, só olhando o chão molhado da chuva... passei sete dias ouvindo Chopin e comendo apenas pão e bebendo vinho. Não que eu estivesse cometendo a antropofagia do corpo de cristo com algum vulto de ira aos céus... No sétimo dia fui à missa, afinal a igreja era na esquina da rua de casa e eu não quis ficar ali, junto ao mau-cheiro dos sapados furados e sem sola. Na missa eu senti vontade de vomitar, talvez pelo excesso do vinho, ou talvez fosse enjôo de uma sensação vilipendiosa para com os planos de deus com a minha mulher. Planos, disse o padre. Planos... depois voltei pra casa e fiquei mais uma semana... alguns amigos me visitavam e diziam votos de pêsames. Fiquei um longo tempo na clausura de meus dias melancólicos, lendo os livros de Ana e ouvindo o saudoso Chopin. Passei a ir à missa todos os domingos. No último do mês de Julho, após a última reza, fui andar pela cidade: mendigos encontravam-se ha cada esquina e na Rua Nova tinha o cinema Royal. As moedas de meus bolsos não davam para pagar o ingresso. Um amigo convidou-me para um daqueles cafés meretrícios, no intuito que eu esquecesse o meu infortúnio. Eu só quis andar pela cidade... caminhei pelas pontes, avenidas, praças e ruas... fui até o marco da cidade tomar a brisa do mar... ali fiquei por horas e a madrugada chegava com suas nuvens escuras... mas não chovia, era como um choro engolido do céu. Fiquei fitando os arrecifes de arenito e calcário no mar... pela alvorada um navio cheio de açúcar daqueles armazéns preparava bordo. Um amigo com quem trabalhava no porto estava conversando com o comandante e levava algumas malas consigo. Ele me avistou de longe e não tardou chamar-me para saber de meus sentimentos. Fui ter com ele o que queria. Eu estava vagando sem rumo, sem querer voltar pra casa. Do porto fazia um bom tempo que não trabalhava. O meu chefe preferiu que eu ficasse em casa descansando um pouco mais. Uma licença para o luto! Thomas me deu um abraço e disse que Ana estava nos céus com deus! E eu disse que ela ainda estava em mim... nas minhas roupas o seu cheiro; nas cartas que me escrevia poemas; no meu coração e a todo momento em meus pensamentos... estava comigo, em mim! Ele falou que eu deveria fazer alguma coisa para sair daquela situação: viajar talvez fosse interessante. Eu queria era vagar pelo mar sem fim e afogar-me no meio do oceano... Não tinha mais planos, ânimo algum para começar de novo. Aliás, nada mais me era interessante, a não ser Chopin que tinha sido o meu companheiro de aflições. O comandante ao ver a bancarrota que tinha se tornado a minha vida, disse-me que Thomas tinha razão e sugeriu-me viajar também com eles para a Europa, lá havia trabalho em vários portos. Ele tinha conhecimento e poderia arrumar emprego para dois jovens trabalhadores. Uma nova vida em outros ares. Eu nem me imaginava fora do Recife. Disse que não quis sem demora e que deveria voltar pra casa e cuidar das coisas, do trabalho, continuar mesmo assim. Despedir-me deles e voltei na direção de casa. O sol que estava escondido naqueles dias de inverno retirou as cortinas das nuvens e aqueceu o meu rosto barbudo. Lembrei-me de quando era um mancebo imberbe e sonhava em conhecer o mundo. Nos tempos que conheci Ana no ginásio pernambucano... fui voltando e na praça do diário comprei um jornal e sentei-me na praça do palácio do campo das princesas para ler as notícias da burguesia; os vexames nos café-bordéis da cidade: vendas de cocaína, morfina, éter, ópio e outros tóxicos. Mas numa outra página havia as novidades sobre a França: uma copa de futebol que não me interessava em nada. Mas uma exposição do impressionista Pierre-Auguste Renoir chamou-me a atenção. Renoir era o pintor favorito de Ana e meu também. Uma fagulha de sonho acendeu-me as chispas da porta de minha imaginação. Era a França que Ana tanto queria conhecer e que eu sonhava na aurora de minha mocidade... talvez a França fosse o diagnóstico de meu esmorecimento... Thomas e o comandante Jaime iriam para a Europa e possivelmente passariam pela França. Entusiasticamente eu senti o vento cochichar em meus ouvidos. Voltei ao cais e por sorte ainda estavam lá como que me esperassem para alçar âncora. Era sete e quinze da manhã, o navio sairia às oito! Eu disse que mudara de idéia e iria com eles. Thomas foi comigo até em casa, na boa vista, para arrumar as coisas depressa. Talvez a Europa fosse um ótimo lugar! Senti no sol e no vento bons ares para esta viagem. Pus o que coube na mala de couro marrom, tranquei a porta e nem me despedi dos vizinhos. Pegamos carona no bonde que passava pelo cais e chegamos ha tempo! O navio zarpou ruma à Europa... a viagem foi tranqüila, ajudei a limpar o convés e as demais obrigações de marinheiro. As noites no oceano são lindas: as estrelas parecem maiores e mais nítidas; Jogávamos cartas e xadrez durante a viagem. No vigésimo primeiro dia ancoramos em Marseille na França. O Comandante Jaime apresentou-me a um amigo no cais do porto. Eu não sabia falar Frances, mas ele sabia português e já havia visitado o Brasil antes. Antoine Byron morava perto do cais, na Rue Fortia, nº 7, na esquina com a Rue Saint-Saens e tinha um pequeno barco de pesca. Disse-me que havia emprego no barco e no café que tinha no térreo de sua casa. Ofereceu-me um lugar no sótão por enquanto que eu me organizasse. Ele sentia saudades do Recife e de uma jovem que conheceu na juventude. Quase se casou com ela! Morou na casa dos pais da moça, mas teve que voltar para a frança com a morte do irmão. O pobre deixou-lhes uma sobrinha, Brígida Cécile Byron. Antoine cuidava de tudo com a ajuda dela, uma moça de seus dezenove anos. Tinha também os cabelos vermelhos e era magra. Uma magra de corpo que se definia na silhueta do vestido; olhos verdes... Brígida tinha um namorado, Dilermando Chermont, trabalhava com os navios maiores. Fazia muitas viagens pelo mundo. Fiquei ajudando Antoine no barco de pesca e cuidando do café à noite. Thomas seguiu viagem com o comandante Jaime para a Grécia e depois Itália. Escolhi a França por sonhos antigos. Empenhei-me no trabalho para esquecer as angústias deixadas no Recife. Mas Ana estava comigo no coração. No último dia da exposição de Pierre-Auguste Renoir, Antoine convidou-me para ir com ele e depois tomar alguns vinhos. Eu havia contado a ele que era um dos motivos de minha ida à França. Tornamo-nos amigos e trabalhamos juntos por um bom tempo. Ele contava suas aventuras no Recife... as prostitutas e os teatros eram recordações da noite. O romance que teve com a atriz que jamais esquecerá... era um homem de bom coração! A cidade de Marseille era linda e cheirava a vinho branco naqueles tempos... recordações sinestésicas! Conheci algumas jovens, mas sempre aventuras efêmeras. Nunca esqueci Ana! Mas uma noite, após fechar o café, subi para o sótão com algumas nozes e Brígida subiu em seguida levando-me um suco. Um vestido curto e solto para uma bela noite de sono e para incitar a volúpia também. Era tão linda que me perturbava a sua presença naquele quarto apertado. O tio Antoine dormia como um morto cansado da guerra. Brígida sentou-se na janela e perguntou-me uma série de coisas... sobre minha mulher, a vida na antiga cidade, os meus planos... os seus olhos de jade e a silhueta das ancas, o seio e os lábios eram convidativos, mas nem sei se eu deveria decepcionar o meu amigo... Ela deitou-se na cama e se cobriu com o lençol, chamando-me para sair do frio... Assim, suponho, começou a história de minha prisão...

Continua...

O Recife das multicores

Do alto da cidade,
As nuvens da ogiva do céu
Parecem cavernas de ametistas...
E o topázio da lua cheia
Que fura a noite opala
É como o caleidoscópio da imaginação...
E a luz âmbar dos postes
Das ruas, avenidas e pontes:
Iluminam as multifaces do povo
E levam-nos na arteira dos rios pulsantes
Até a última ponta do cais,
Para um encontro com as ondas do mar...
E depois do arenito dos arrecifes,
O Recife das multicores
É a cidadela dos oceanos
E o brilho do próprio nácar...

quinta-feira, 24 de junho de 2010


Além dessa névoa escura da noite,
No recôncavo de arenito perto do mar,
E longe dos olhos negros do alquimista
E das mandíbulas de dentes travados,
Rangidos do ódio mefistofélico...
Ponho-me a olhar de cima
Vendo a luz do faroleiro
E a brisa no rosto molhado,
Suado do longo caminho...
Então pulei para fora do corpo
Despido na encosta das ondas...
Olhando o abismo do horizonte sem fim
De onde saiu deus com a boca aberta
Expulsando os demônios da noite
E começando uma nova aurora...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Cantor Boêmio

Antes que eu morra, mais um gole de bebida!
Da mais pura e doce que a dama me serviu.
Para que eu bêbado venha aquecer o frio
De minha pobre vida, curta e desgraçada.

E mais uma baforada quente do fumo!
Para jogar a fumaça no vento, no sumo...
E não ser tragado nas brumas e consumido
Nem ser ingerido pelo tempo e perdido.

Vou indo, afogando-me, lançando-me fora...
Meus vícios comigo vão para o abismo!
E do que ainda restar seja esmagado!

Miserável destino! - me faz ir embora...
Mas antes que eu morra; meu egocentrismo
Não permitirá que meu canto seja engasgado!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Uma transubstanciação


Apenas um holofote estava aceso. E ele permanecia deitado, estático a observar a madeira polida em bronze. Naquele ambiente sorumbático não havia mais ninguém. Um murmúrio lá fora do vento... “Bravo...” Gritava o público em meio aos aplausos e assobios... – ele não tinha mais ânimo para levantar-se e estava confuso. Hora ribalta acesa, elenco todo no palco e a ovação da platéia; Hora o escuro de um teatro vazio sob a luz de um só âmbar. Um certo anacronismo anacoluto que não se pode explicar sequer com a mais arguta das percepções humanas nem, contudo, com as interpretações mais místicas e religiosa que se possa imaginar. Ou talvez fosse uma transubstanciação. O homem estava ali, deitado, nas trevas de um lugar ermo após um bater de pálpebras naquele instante fugaz da apresentação teatral. Levantou-se, limpou a indumentária do personagem que se vestia. Ficou sem entender. Mas afinal para onde foram as pessoas que ali estavam ha pouco? – ele não podia estar louco e, o que seria a loucura? Era um homem íntegro, inteligente e dotado de uma genialidade enorme para dar vida a papéis dos autores mais diversos. Sua família o amava, todos o amavam e ele não tinha problemas aparentes. Um sonho quem sabe. Mas suponho que sabemos diferenciar quimeras oníricas de momentos reais. Tanto pela disposição da luz, dos objetos, quanto da nitidez das coisas em si. O fato é que sempre conseguimos perceber e acordar quando o pesadelo realmente está nos incomodando. As coxias estavam ainda mais pretas e soturnas como a rotunda. Nada havia além do ator naquele lugar sombrio... O espetáculo acabara e as pessoas se retiravam para suas casas. Os atores e atrizes se recolhiam para seus camarins a se trocarem. – “Onde está Ofélia?” dizia aquele outro ainda vestido e sentado no cenário... O homem afligia-se em não entender o que estava havendo. Foi lá em cima na entrada do teatro e ninguém. Apenas uma rua escura e as portas estavam fechadas. Nos camarins não havia ninguém; Nem na maquinaria nem no fosso. – o som de uma coruja rasgava o céu no silêncio da noite. Pela manhã talvez chegasse alguém do teatro. Ele preferiu dormir ali mesmo, no chão de madeira... Todos já haviam se trocado e retiradas suas maquiagens iam-se embora. A mulher e a filha não agüentaram mais esperá-lo e foram até os bastidores, mas ele ainda estava no palco, sentado... “Papai” – exclamou sua menina. E ele, com seu olhar obtuso, dizia: “Onde está Ofélia? Preciso vê-la mais uma vez... ”Papai...”; “Querido...” Relutavam a mulher e a menina. – “Saiam daqui! Não Conheço vocês... Onde está Ofélia...” - Insiste o pobre homem... O outro, ou talvez o mesmo agora dorme nos latifúndios de sua própria mente.

sábado, 8 de maio de 2010

Castelo de areia é o que somos.


Do pó que cai da ampulheta,
Um castelo construído na beirada do mar.
E as ondas que atravancam a praia de veneta
Levam, em pedaçinhos, tudo o que podemos sonhar.

Castelo de areia é o que somos.
Erguidos inocentemente como um brincar.
E sob o estribilho do tempo a vagar
Repetimos o marasmo das ondas que fomos.

Passado, presente e futuro...
Tudo refletido nas águas do mar
E nas brumas do tempo escuro...

Lembranças no ocre de areias multifacetadas.
Não há nada no mundo melhor que amar...
Antes que as ondas tornem as vidas dilaceradas.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Como nas guerras do mundo inteiro

Como nas guerras do mundo inteiro
Vivo lutando à beira de aflições...
A minha sina é a de um guerreiro
E como os artistas eu vivo emoções!

E sinto no vento o tempo passar...
Trazendo as agruras franzidas na fronte!
E vejo os heróis do passado, enterrados no monte
E em brisas de miasmas espalhadas no ar.

Luto pelo o amor, pela liberdade e pela terra!
Clamo pela sorte!
Antes que a terra me cubra, lá em cima no monte...

É essa a vida dos guerreiros na guerra...
Vida e morte!
E os sonhos em moedas jogadas na fonte.

Voa menina, voa!

Voa menina, voa!
Que tuas asas são pra voar!
E a voz da tua boca soa
Presunçosa em querer cantar.

Piaf era um pássaro sem medo...
Tu não voas, mas quer voar...
E os abismos do teu enredo
É que engole o teu cantar.

A voz minguada, engasgada some.
Abra as asas, escreva seu nome...
Não na lápide, és uma Elis...

E nos campos de flor-de-lis...
Voa menina, voa!
Que tuas asas são pra voar!

sábado, 10 de abril de 2010


Folhas caídas, secas e mortas...
- Outono desgraçado!
E o frio é como o inverno do mês seis.
Os galhos estão magros e a terra úmida.
A natureza está em ruínas como a nação pós-guerra.
O que esperar desse tempo cíclico?
Até as flores estão murchas...
Deus não gosta da eternidade
Por isso permite ceifar a vida.
Pobre lagarta que não voou e morreu...
É uma limpeza de coisas inúteis...
Tudo é fútil!
As folhas caem para nascer outras mais belas...
Somos nós todos assim:
Folas caídas, secas e mortas!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Chega o inverno!


Chega o inverno!
E escorre nas janelas a chuva,
O frio embaçador...
O cinza toma conta das cores opacas.
E as cortinas do céu escuras.
No asfalto molhado o brilho dos postes...
Não queria falar de desejos, mas me lembro dos lábios,
Molhados também!
O tempo não sugere outra coisa...
A vida é, às vezes, apenas um beijo.
E a saudade pra nos dizer que somos escravos.
Escravos do tempo e das vontades...
O frio prepara-nos para o ataúde
E a chuva é como o choro de nossas mortes.
O tempo é este. É mórbido!
O ósculo tépido, nostálgico
É o melhor quadro da memória.
É difícil disfarçar que a vida é como um beijo
Efêmero como o cair da chuva
E eterno como a saudade!

Invenções malfeitas

Às vezes,
Percebo em minha volta,
Um menino que fui e que não o sou mais...
Eu era tão bonzinho
Que fui engolido pelo monstro que sou.
E hoje sou tão mau que me acham bonzinho.
Eu posso ver os demônios...
Venham,
Sentem-se aqui para confabularmos juntos
Sobre o que fazer desse mundo enganado...
Sou honesto para dizer quem sou,
E sou o que digo!
Não prometo nenhum éden nem algum céu caiado de mentiras...
Isso é conversa!
Eles são os mesmos malvados que os levarão a morte...
Venham comigo para um mundo novo
Em que nós somos os próprios deuses...
A morte é a nossa esposa de amanhã
E antes de deitarmos com ela
Façamos de nós maiores,
Intrépidos,
Vorazes,
Iguais...
Assim haverá verdade longe das disparidades.
Invenções malfeitas,
Esculpidas com o tempo...
Uma merda que se deteriora...
Às vezes,
Percebo em minha volta,
O velho que um eu dia serei.
- Seremos!
Então sejamos todos iguais.
As mudanças são boas e más...
Por isso prefiro ser eu.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Rosna no meu estômago ferido
De tantas outras já emoções pendentes
O amargo, áspero, acre, agridoce...
De uma ânsia de dentes mordidos.
Maldita sensação orgânica e lacrimosa;
Saudosos sentimentos perdidos.
Ah! meu estômago,
O vômito seria a solução!
Dioniso dê-me uma dose
Para o diagnóstico de meu infortúnio.
Quero beber o último gole até o inferno
E dizer que amo as putas do bar...
De minhas sensações exorbitantes,
Pleonasmos cataclísmicos...
A minha saudade orgânica.



Discorro como um rio as ribeiras
Corro seguindo as correntes as correntes do mar...
E na beira da praia beijo às ondas.
São as ondas, o mar: a foz do meu rio.
Desço, escorro as ribeiras o meu caminho.
Vou seguindo até a beirada do mar.

sábado, 13 de março de 2010

O espetáculo vai começar!

Não vi demônio nenhum na escuridão.
Só almas vagantes, insaciadas...
Eu ansiava encontrar os mortos
E só vi a minha imagem no espelho.
A alcova está cheia de espectros maquiados.
Na coxia há um vulto de meu personagem
E eu o chamo para a luz.
Não há holofotes na ribalta para mim
Nem assoalho que me possa sustentar...
O palco é dos demônios que a igreja amaldiçoou.
- Merda!
Para que aconteça o contrário da vida insaciada...
Venham pobres perdidos para debaixo de minhas asas.
- Eu sou Dioniso...
A escuridão do teatro é para os que não têm medo das trevas.
Lá existe a vida abundante para os inconformados.
O texto está cheio de amor e de ódio
Desde que os deuses escreveram o grande espetáculo...
Poetas metidos à bestas.
Venham aqui atuar ao invés de mandar seus filhos medrosos.
Eu estou aqui no proscênio puxando as cordas das cortinas.
O espetáculo vai começar!

sexta-feira, 12 de março de 2010

Arrarrarrarrarra...
Esse é o meu deboche longe da máscara cortêz.
Ouçam-me, pobres surdos.
Eu não sou um poeta, mas sempre tenho algo a dizer.
Queiram ouvir, bandidos.
Saqueadores dos sonhadores antigos...
Desta vez não vim com métricas e rimas baratas...
Tampouco quero pular as linhas com versos desconexos...
As pautas merecem uma voz.
Portanto ouçam:
Desta folha caiada em que se permite riscar;
Deste papel impoluto em que a mão surpreende a vaidade vã...
A única e cruel de todas as coisas que amedrontam a Deus...
A querida e nunca sentida por completa;
A proclamada e burlada pelo cárcere do medo...
A liberdade!
Esta é a minha musa de todos os versos que mata o meu poeta...
Ela é a que me faz morrer antes de todos e viver longe daqui.
Poucos a conhecem e já se deitaram com ela...
Os medrosos nunca a terão em sua nudez libidinosa...
E nesta folha pálida em que há o seu nome,
Há também a minha voz presunçosa e incompreendida.
Fodam-se, malditos.
E seus medos os conduziram para o inferno...
E serão todos lançados para baixo como poeira da ampulheta;
Deixem suas cinzas para as árvores dos cemitérios
E fora do ataúde deixem a folha de papel com a voz ecoante...
Ouçam e se ousarem dizer gritem para que vocês mesmos possam ouvir...
Os fantasmas estão soltos querendo gritar...
Lancem-se também na noite e na brisa da manhã...
E no final risquem o papel outrora morto.
Aqui só se permite os que não têm medo
E os que têm algo a dizer.
Deus que me venha dar as nádegas para boas palmadas...
E as suas bundas levantem-na para correr.
Eu já estou aqui, pretensioso para ir mais longe.
E suas lentes embaçadas nunca os permitirão enxergar
Senão quando a própria liberdade quebrar os seus óculos.
E da emoção que restar agora, agradeçam-me.
Eu já ri o bastante.

Cretino...

A mão estendida,
Os pés na cor do asfalto,
Os olhos desconfiados,
Esmorecidos, verdadeiros...
A bermuda fora a calça de alguém;
A camisa emblemática do corrupto;
Descalço e sujo
Na calçada dos judeus.
Ele é o meu transunto
E Deus ama a imundice...
- venha aqui, Senhor! Velar comigo.
Ecce Homo!
Eu sou o lixo do canto da rua,
Os ratos, as baratas, os vermes do esgoto...
Eu sou aquele homem que pede esmolas
E Deus é a minha imagem.
Eu me vi naqueles olhos chispados
Que ninguém se pôs a ver.
A cidade, cheia de tudo, e ninguém viu o morcego.
Alguém viu o morcego?
O canário está na gaiola e todos querem ouvi-lo cantar.
Cadê os porcos? Cadê os porcos? Cadê os porcos?
- Deus, saia da platéia e suba ao palco!
Cretino...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Relâmpago

Passa-se a vida sob os olhos como um raio.
É o esvair do fôlego da criança que se faz velho.
Roubado pelo tempo, tenta fugir o gaio.
É o periélio a vida e a morte é o afélio.

Ah, se não houvesse mais relógios pra mim;
Diria ao tempo que o tempo acabou.
E não escravo mais seria do tempo que restou,
Que me empurra veemente direto até o fim.

Do que fazer desse estupor que a vida nos faz?
Horas felizes aos sorrisos que algo nos trás;
Horas desditosas aos prantos que a dor nos jaz...

É a vida, todo esse relâmpago de um prazer breve;
De conflitos amontoados que o poeta escreve
Para que fique algo antes que a morte o leve...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ao relento da noite um entorpecer do vinho...
- A algazarra dos menestréis é a pura embriagues.
Como as vagabundas da estrada, somos desde o ninho;
Filhos dos nossos pais que já viveram a sordidez.

É tudo uma nojeira só e dizem que é pecado.
Somos todos filhos de Adão, Eva e da Serpente;
Somos hoje, os filhos do deus inconseqüente,
Somos a própria maçã, o fruto, o resultado.

E me disseram que o vinho é o sangue da vida.
- pobre seria se eu não o pudesse beber.
E na verdade é o arroubo dos homens na lida.

Como o das meretrizes quando não querem ceder...
- Ora, bebamos os copos sem poesia qualquer.
Um dia seremos os pais nesse mundo onde se faz o que quer.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Na minha infância, impoluto;
Era um nauta; queria os mares.
Hoje, ambicioso e dissoluto,
Como um pássaro, eu quero os ares...

E voar na imensidão do imaginário.
- sem o auxílio de qualquer entorpecente,
Pra não ser como um pobre condescendente
Que não atinge o próprio relicário.

Queria, quero; sempre quis.
Como quem risca o chão com pedra giz:
A sorte – o destino de um homem hiperbólico.

E do imaginar anacoluto, prosopopeico;
O meu – julgado insano: onirismo epopeico.
Louco como um desejo esotérico.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

– Uma querela!
Eu quero a pele negra, nua, de cabelos riçados;
A beleza afro, de seios pontudos e as ancas largas...
- sou perverso, libertino e atroz.
Eu quero despejar de meu falo o libido caiado –, e elas querem beber...
Nada de perder tempo com pilhérias... o gozo já é o bastante.
Em meio à bosta dos cavalos e porcos.
Um cretino envergonhado e virulento,
Cuspido como quem cospe o excremento;
Jogado fora e condenado pelos párocos.

Um pacóvio oriundo dos negrumes
Homem pródigo, maltrapilho, maltratado...
Despojado na lama dos alcatruzes;
Vilipendiado, trôpego e malogrado.

De um uivar triste e faminto,
Mendigado, minguado e tosco.
A perambular como vagabundo conspurcado.

Andrajosa criatura do recinto,
Foge das agruras do deus fosco
E vai pelo mundo pra não ser estripado.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Cínico...

Na cidade de Ancorada, uma jovem moça, previsivelmente bonita e inteligente; dotada de um conhecimento literário e uma agudez de espírito, uma sensibilidade poética e proprietária de grandes sonhos, como são todos os jovens que se possa imaginar; e um, declamado aos quatro ventos, amor exorbitante que a fez empurrar das ribanceiras o namorado que acabara de desatar o contrato romanesco, e que a deixara muito insatisfeita por suas vontades, e fazendo-a aceitar as escolhas assim decididas. Sentada na pedra do tijolo aos prantos surdos da grande “perda”, arrasada e aos xingamentos com o deus dos céus que, segundo ela, coitado, foi o culpado de todo aquele amor acabar. – não diria culpado pelo amor ter acabado da parte dele, mas pela fraqueza que se é permitida às criaturas como ela. – se é que Deus nos fez como diz o Pentateuco. Visto que, paradoxalmente houve um ato de atrocidade em nome do maior axioma da humanidade, o amor. E que segundo Jesus Cristo, este amor deveria ter a função do “bem-querer” ao invés do apenas querer e, contudo decidir sobre a vida do outro como se fosse a sua vontade o único bem. Temos aí um caso de dentes mordidos pela incompetência moral que nos é ensinada desde a infância, de que temos alguém ao invés de apenas estarmos com alguém ao namorar. – talvez seja este o maior problema dos relacionamentos humanos que nos faz pensar em posses de pessoas. – minha namorada, meu amigo, minha esposa, e por aí vai. A jovem moça, consternada pela insuficiência de seu amor próprio e pela vaidade do relacionamento convencional e comprobatório. Afirmava amar incondicionalmente (coisa clichê) o rapaz que já, naturalmente, se interessara por outra com mais apetrechos e compatibilidades genéticas. – assim é o ser humano. – o amor, ou em outras palavras, a vontade: é o desejo de posse que é convertido em uma permissividade existencial. Ninguém costuma amar o que não se tem nenhuma vontade atrativa. Por exemplo: o que não é belo; e ninguém costuma permitir que algo não atrativo, como por exemplo: o mal perdure. Assim foi aquele fim inaceitável de um romance que já levara três anos e uma carga emotivamente poética. – a poesia é também fruto da vaidade e do subterfúgio da insipidez. O rapaz caíra no chão escarpado depois de, honestamente confessar suas inconfidências poligâmicas à moça de coração egoísta e moralmente ultrapassado. Não houve morte, apenas uns arranhões e o orgulho ferido de quem o empurraram. “Um amor perdido...” era o último estribilho poético da estudante de letras. Um malgrado e um desejo de vingança desnecessário para além dos azedumes foi o que restou do que antes era o fruto do maior sentimento do mundo. – Ora. Faça me rir de outra forma que tudo aquilo era uma hipocrisia só. – Não guardo mais mágoas dessa última namorada.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Um crime ao criminoso talvez...

Na velha casa da Rua Juaneira, 43; uma família de indivíduos paupérrimos, mas indubitavelmente honestos e humildemente gentios; generosos ao ponto de acolher um pobre forasteiro que procurara abrigo numa tardizinha quase noite, já cansado e sem ter para onde ir. “jamais me esqueço daquela casa que dava com a frente para as belas acácias da praça e o quintal para um pequeno bosque do pequeno sítio...” A Srª da casa simpatizara-se com o rapaz que já vinha aos passos fartos de outras cidades. Um vendedor de biscates que já acabara todo o seu estoque e juntava nas meias dos sapatos toda a fortuna para uma viagem de regresso a sua casa para cuidar do pai. A casa era de quatro pessoas. O Sr que, já doente, descansava sua casca velha do sol que não o perdoou na vida; a Srª, já dita generosa; Um varão que trabalhava aos repúdios e ao mau-humor da vida abandonada pela mulher; e uma neta de 13 anos que, muito prendada, já ajudava os avós com os afazeres da casa. Sua mãe tinha ido para a cidade grande à procura de um emprego, dizia sua avó. Mas os rumores são de que havia abandonado aquela cidade e tudo que há dentro dela para viver com outro homem que não o pai da menina. O pai dela fora outro que desapareceu desde seus seis anos. Alvorada era o nome da cidade. Cidade pequena. Josué tinha seus vinte e três anos. Um rapaz sonhador e inteligente. De passagem pela cidade resolveu ver a praça e acabou por conhecer a velha Srª, que acabou lhe convidando para um café, que depois virou um jantar e acabou por uma dormida num quarto no fundo do quintal. Rapaz esperto, bom vendedor e de boas conversas. Sabia conquistar qualquer pessoa. A velha era povo de interior e povo de interior gosta de ser hospitaleiro, às vezes. – acho que certas gentilezas são o nosso maior infortúnio. A menina era educada; religiosa como a avó; usava vestidos bordados de flores e chinelas rasas. A idade era oportuna do desenvolvimento natural do corpo. Os seios já crescidos eram duros e pontudos. Uma moçinha muito bonita e de boca atraente. Certo batom de sua vaidade era um convite aos beijos para os meninos da vizinhança. Um olhar saliente de quem quer conhecer o mundo dos prazeres libidinosos. Amanhece o dia e vem o café da manhã. O rapaz é bem querido, uma boa figura, gente de confiança a primeira vista. O sábado é dia de feira e a avó precisa fazer as compras com o seu filho que se encarrega sempre de levar os pacotes. Enquanto a moça fica em casa a fazer o almoço e cuidar do avô que dorme mais um sono depois do café da manhã. Josué se despede agradecido com muito gosto e vai embora antes da Srª e o filho irem à feira. Há muito caminho pela frente e o seu pai precisara de mais algum dinheiro para interar os custos dos remédios. Uma toalha amarela esquecida no varal o fez voltar. O varal do sítio era grande e tinha várias toalhas, lençóis e tantos outros tecidos. A menina estava com um livro de cânticos e ensaiando um hino para o culto da noite. O vendedor de biscates veio buscar o que esquecera e encontrou uma menina de vestido curto e pernas à-vontades no chão gramado. “Oi... Vim buscar a minha toalha...” O sítio pareceu grande e tudo ficou surdo naquela hora. As pernas escarranchadas era um tipo de provocação voluptuosa e longe de qualquer ingenuidade. 13 anos é o primeiro cio e as virgens ficam aos delírios desvairados da juventude. Uma malícia, os lábios mordidos e as pernas abertas era de fato um convite. “ela quis e eu também...” – desejos naturais ou uma sacanagem que foi preferível aos louvores à Deus. A menina tinha idéias inusitadas para aquele momento lascivo. O gozo é o ápice da luxúria. Concebido o ato, ambos, cansados, deitados no bosque, olham o céu. O céu sempre azul. Mas o tio chega antes da hora imaginada pela menina. Enfurecido e cego pelo moralismo em honra da família, puxa uma faca do cós e começa a furar o pobre Josué, que tenta explicar o que não se pode explicar senão fugir. Um escândalo pela cidade aos berros do tio da moça a julgar um crime ao rapaz. Ninguém suporta um crime como esse. Josué tenta fugir, mas a feira está cheia de gente e as pessoas tomam as possíveis dores do tio e a interpretação é mesmo de que é um estuprador. Começam a lixar o rapaz. Ninguém entendeu que a sobrinha tinha desejos como todos os seres humanos. Josué, pobre menino também, foi morto à pedradas. Um voltar para buscar o que esqueceu. A polícia não pode prender todo mundo. Tratava-se de uma resposta de indignação da população que entendera um crime. – Justiça com as próprias mãos. A menina, em choque, nada pode dizer em voz mais alta que o tio. Talvez fosse melhor o silêncio. Mas o fato é que as vontades são perigosas e imprevisivelmente danosas. – sim, claro –, se ele tivesse renegado seus instintos não teria acontecido isso, talvez. Um crime ao criminoso talvez...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O grande sono...

O nublado deixou o dia frio, cinzento. Pouca iluminação. Não se vê o sol correr o céu como nos dias de verão. É o inverno que chega em sua calmaria quase mórbida. Os que sofrem de síndrome do pânico acham que o mundo irá acabar. Tem-se uma sensação de morte ou de que algo está pra morrer. Pré-sentimentos de agouros. “eu sempre senti isso...” uma agonia tépida e as salivas amargas. “Eu só estava indo ver a rua, na calçada, como nos fins de tarde de minha infância –, ah infância doce, agridoce. Mais doce do que acre. – eu era feliz na minha inocência sem saber do gosto escarlate. Lembro de meus sonhos e de meus amores. Vi tudo passar em vinte anos. Nada escapa do tempo. Ele é, sem dúvida, maior do que Deus. Quando Deus nasceu houve uma data, um tempo. Assim como hoje. “faltam três semanas para o meu aniversário.” Esse frio esgana até o peito. Dá pra sentir arrepios como nas noites de febre em que se está doente. Deus e o tempo deveriam nos poupar dessas coisas. Como se já não bastasse a vida ser efêmera demais, temos que, às vezes, sentir as convulsões de algumas doenças que nos mostram o quanto somos vermes. – acho que sou um verme aqui nesse chão. A luz está tão frouxa que mal dá pra vê o rosto dessas pessoas. Carol nem me ligou essa tarde. Ela liga mais à noite antes de dormir. Gosto de ouvir a voz dela como nenhuma outra. Mas hoje acho que nem vou mais falar com ela. Já estou com muito sono, e provavelmente já vou está dormindo quando ela ligar. A vida é, as vezes, apenas um romance e nada mais. As pessoas vivem por esse ofício, por esse subterfúgio que talvez é o maior sentido dela antes do ocaso. Em quase todos os sonhos existe um alguém que está do nosso lado. E já foi bom ter vivido só pra ver um pôr-do-sol e alguns beijos. – o chão está úmido. Não fiz nada de tão interessante hoje nem ontem... não realizei minhas vontades todas e as que realizei me trouxeram todas até aqui. “Minha mãe pediu para que eu fosse comprar o pão e eu quis tocar violão na calçada por mais alguns minutos, até que ouvi um barulho de uma moto...” – alguém pode ligar pra Carol? – quero dizer uma coisa pra ela... Dizer coisas é algo que se pode fazer. São assim todas as obras de artes, coisas ditas. Eu não disse quase nada e nenhuma obra deixei. Apenas alguns poeminhas que nem os amigos gostaram. É porque eles são amigos sinceros. – Que bom! Sou um verme mesmo aos pés de Álvares de Azevedo e Arthur Rimbaud que aos vinte anos já eram grandes poetas. “ninguém vai me levantar desse chão sujo, merda. Quero ir pra cama dormir.” Algo rubro entre os dentes me dá vontade de vomitar. Parece sangue... – os caras da moto passaram rápido, e outros dois vieram em seguida mas não estou me lembrando mais o que aconteceu –, acho que vou dormir aqui mesmo. “a minha mãe é quem vai ter que ir comprar o pão agora e se Carol ligar depois eu falo com ela.”

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Vago, às vezes, as ruas da madrugada.
Sozinho pelo orvalho e pelo frio da meia noite.
É como o inferno dos demônios, a lhe querer o açoite.
O derivar no escuro que antecede a alvorada.

E pelos postes amarelentos, o nortear da embriaguez
E não me erre os assassinos, a minha paz desarmada.
Já perdido, quase morto, aos delírios da insensatez.
Vou voltando, a passos bêbados, o caminho da ancorada.

Vago como um louco ou um poeta amante
A buscar, laborioso, a vida diletante
Ou me enganar com os prazeres da vida de um errante...

A noite vai-se indo aos raios da aurora...
Nem morri no asfalto; ainda posso ir embora
Realizar os sonhos nascidos em outrora.

A caminho de Pasárgada...

A caminho de Pasárgada passo por Persépolis.
Na entrada da cidade, Zoroastro, sentado à pedra
Diz-me que o mundo dos manes é dos grandes reis.
Sem amigos na cidadela, vago as ruas de vedra...

Em Persépolis, os montes verdes estão cinzentos;
Não vejo as árvores e suas sombras deleitosas.
Apenas o ocre da terra e os furiosos ventos;
Não há nas ribeiras do rio ciprestes de amoras...

Em Pasárgada sou inimigo do rei e dos hipócritas;
Não tenho escolhas, cama nem mulheres corruptas.
Sou o malquisto, no inferno dos prazeres dos Persas.

Pois roubei o facão da morte e tornei-me escuso.
Um pobre perdido, a cada esquina do acaso,
A espreitar a guilhotina do ocaso.
Eis o transunto de minha insensatez, o poema.
Pedaços de meu amor rebuscado, os versos.
E o diagnóstico é o papel escrito. Póstumo, amassado.
E o cesto do lixo não mais possui um espaço.
Mas minhas palavras rústicas, pretensiosas,
Como um grito. Querem ser ouvidas de longe.
Inebriantes como o perfume das virgens no vento...
Voava os céus e os mares,
Vagava, era o pássaro sem ninho
Sem chão nem galhos, sozinho.
A buscar o puro vento dos ares...

Era eu o mancebo voador,
Desatado das quimeras do amor,
A beber o néctar como o beija-flor
Das volúpias das virgens, sem pudor.

Era eu o maldito devasso,
Das luxúrias vividas,
Das paixões pervertidas...

Era eu e ainda sou.
Mas desta vez, um amor
Pra guiar o caminho pr’ onde vou.

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