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terça-feira, 31 de janeiro de 2023

A fotografia...


 

A fotografia é, sem dúvidas, um ato de coragem, que faz roubar do tempo uma fração da eternidade... e a poesia atravessa o imagético na velocidade da luz!

Washigton Machado.

sábado, 30 de maio de 2020

O debuxo e o colorido da vida...

  A mente humana é ilustrada como um "caderno", que inicialmente é todo "branco". Ao longo da vida as ideias e experiencias, que são infinitas, são também representadas por "cores" e "formas" distintas que vão sendo adicionadas nas folhas de papel. Algumas ideias e experiências, porém, não são tão saudáveis quanto as outras e acabam manchando o que está sendo construído. Essas cores e formas indesejáveis não podem ser apagadas, pois usar uma borracha seria equivalente a uma máquina do tempo capaz de mudar o passado, portanto, impossível. Entretanto, novas cores e formas podem ser desenhadas no decorrer da vida. Diariamente alimentamos esse caderno com experiências e ideias que escolhemos ou pelas quais somos compelidos através da "sorte". Na escuridão, uma lanterna revela pequenos pontos de páginas aleatórias que existe no caderno - assim como é a nossa memória -, podendo ser coisas boas ou ruins. Contudo, o debuxo e o colorido da vida segue um caminho guiado a partir das ideias e experiência que são pintadas no papel, indesejáveis ou não, cabe ao esforço do desenhista identificá-las e, sobretudo, buscar novas ideias e experiências para tatuar o vazio das próximas páginas. Quanto às cores e formas que mancharam o papel, resta-nos refazer ou pintar uma nova imagem, cores e formas umas por cima das outras, alimentando diariamente, folha por folha, o imenso caderno da vida.

Washington Machado.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Nós somos corujas... às vezes, ratos!


Pronto... de lá vem o vento frio... do horizonte... curvando-se entre as nuvens cinzentas. E de lá rasgam o céu as corujas. Enlutando os ouvidos dos infelizes. Voam sobre as cabeças dos ratos que serão devorados na noite. Pobres ratos... Assim também é a equação das desigualdades humanas. A barafunda que desvirtua a sociedade e perverte os inocentes na incansável luta pelo empate da vida. O velho ponteiro varre o tempo em precisão pontual, aniquilando os minutos e segundos restantes. Chegada a hora, nada mais sobra, apenas o frio e o vento preenchendo o vazio. As corujas calculam meticulosamente o ataque. É difícil escapar... garras afiadas, asas gigantes e seu olhar profundo diz que as migalhas não saciam o desejo do sangue. Ceifar vidas é uma necessidade. Nós somos corujas... às vezes, ratos!

segunda-feira, 29 de junho de 2015

A própria poesia...

Para provocar a ruptura necessária, a ponto de adentrar no avesso do verso, o poeta tem que se lançar por inteiro na porta que o detém. Então tudo se fragmenta em pedaços perdidos... Mas o que se encontra além é a própria poesia...

sábado, 13 de junho de 2015

O farol...


São lamentáveis quando não são prazerosos os desejos. Sendo o critério de distinção entre eles extremamente influenciado pelo potencial estético que subverte os sentidos pelo fenômeno da vontade. Esta, por sua vez, se apresenta como a busca incensante pela conquista do que está interposto e alheio à nós. É uma pura ilusão. A vontade é resultante de uma experiência estética. E todos estão subordinados às suas imposições. Isto é, tudo o quanto for construído ou destruído, tal qual a harmonia ou o desequilíbrio, toda e qualquer vontade trata-se de um fenômeno estético. Não há crivo entre as decisões senão a sua vontade resultante. Ela é a luz e a alternância que governa o farol diante do mar da inconsciência.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Reflexões acerca da estética

"A experiência estética da sedução desvirtua as pessoas por meio da exuberância dos desejos através dos sentidos. Provocando, muitas vezes, o vício."

Washington Machado

domingo, 1 de março de 2015

A liberdade

A liberdade é um abismo ao qual nos lançamos, supondo estarmos voando enquanto caímos!

Washington Machado
02.03.15

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O que fazes aqui?

De soslaio eu vi o vulto
Como que um anjo ou demônio.
Vagava perdido...
O brilho dos meus olhos ofuscados,
E o arrepio de minhas mãos
Era tal qual a heterotopia...
Fogo e gelo num mesmo instante.
O que dizes?
Quais são tuas aspirações?
O que fazes aqui?
Trazes-me um poema ao menos?
Grita o teu recado, sorumbático!
Dizes-me porque me rodeias?
Há tempos...
Tua sombra me segue pelos caminhos
Ou sou eu o medonho que te amedrontas?
Por que foges, desgraçado?
Deus está aqui!


sábado, 3 de janeiro de 2015

Voa, voa, voa...



De tudo que sai do teu corpo,
Da tua mente e do teu coração...
Um pedaço voa no vento.
Evaporando-se como miasmas.
Tu nem sonhas até onde vai.
Voa, voa, voa...
Assim é o poema.
Tu não sabes quão distante chega.
Porque ele sai de dentro do teu corpo,
Da tua mente e do teu coração...
E voa, voa, voa...

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Aforismo do Vento

Um vento frio e escuro sopra as vezes.
E uma neblina de miasmas flutua no ar.
Vozes que gritam do inferno...
Tão viscerais quanto a própria consciência.
Cuida-te para não ouvir estas vozes...
São sofrimentos dos quatros cantos do tempo
Que nos empurram no abismo da loucura.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O Som da Luz...



Do som daquelas luzes ofuscantes,
Um cheiro quente e vermelho se espalha.
Fumaças, poeiras, dissabores ardentes...
E a heroína vencida se esmalha.

Os sons entoados ásperos veementes
São os gritos de torpor dos arruinados...
Que entorpecidos, tornam-se potentes,
De tanto ódio e prazeres frustrados...

É o som que reverbera estarrecido,
O som que soa dos derrotados,
O som da luz que lá vem enfurecido...

Lá vem o som, atroz e enfarruscado.
Veloz como chamas... Endoidecido.
Quando estoura, ecoa-se o acabado.

Washington Machado

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Agora!



No abrir-fechar dos olhos,
Certa vez, as retinas confundiram-se...
E as cores de outrora, então
Tornaram-se outras...
Eram chispas de explosões
A imagem debuxada...
Como tintas em um papel,
Estouradas e cintilantes...
E naquele ofuscamento,
Distorcido em cada hora,
Se desfez minha ilusão.
E quando, finalmente,
As pálpebras se deitaram,
Percebi em meu sonho
Que aqui estamos, acordados...
Agora!

terça-feira, 21 de maio de 2013

Eu sou o vento!

Eu sou o vento!
Isto mesmo, o vento...
Sopro a tua fronte,
Assanho teus cabelos
E penetro a tua fonte...
Jorra demasiado, água pura.
Esfrio a tua nuca...
Aqueço com fiapos de meu corpo.
Sou eu mesmo, o vento!
Doce e pervertido...
Golpeando o desejo de teu rosto,
Sentes alívio quando toco em ti.
Apago teu fogo, derreto teu gelo,
Voas em meus braços...
Molho e seco teus lábios...
Vento eu sou!
Fecha os olhos...

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Schrrth...

Ah...
Schrrth...
Este é o meu escarro!
O excremento virulento
Do pus condensado de meus verbos doentios.
Schrrth... até que saia todo o infecto.
Cuspi meu pigarro no papel mais branco...
É a poesia mais orgânica de minhas vísceras...
O verso tangível e pungente...
A iconografia espontânea do engasgo...
Eu sou o poeta, lambe o meu poema palpável,
Ou te amedrontas em ler as inquietações poéticas?
Ah... a estética encantadora segrega os infelizes...
Os moribundos são negligenciados pelo amor...
O que fazes aos pudores dos facínoras?
Veja o engodo a qual caminha a humanidade...
Tal qual pisoteiam os sorumbáticos insalubres,
Esmagador é o silêncio que te engasga.
Esta é minha secreção sórdida e sufocante,
Insuportavelmente asquerosa...
Da qual só me liberto e respiro,
Num punhado de palavras cuspidas...
Schrrth...

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Ouçam lá...

Ouçam lá... É a brisa...
Ultrapassando a balbúrdia dos infelizes.
Ouçam mais uma vez... Apenas ouçam...
Vejam em suas pálpebras o infortúnio desfeito,
A solução para os dias enfadonhos.
Que cesse o suor e as agruras...
Eis a felicidade ao matar a sede,
E a descansar o corpo.
Autos lá se vierem buscar o ouro!
O prazer mais puro está nos sonhos...
Voltemos senhoras e senhores,
Ao mundo pictórico da liberdade...
E que se diluam os tormentos
No paraíso da frugalidade...
Que este desejo anteceda as ambições!
Pois o tempo carcome nosso tempo.
Ouçam lá... Quem trás é a brisa o recado do vento...

sábado, 9 de março de 2013

Apenas poeta...

Eis o poeta...
Sim, eu mesmo!
Não o poeta lírico
Nem mesmo o medonho,
Apenas poeta...
Não menos importante...
Poeta por que vivo o meu próprio poema...

domingo, 11 de novembro de 2012

Esta é minha alegria

Nenhum dos pássaros estão mais aqui.
Todos voaram...
Esta é minha alegria,
Embora a saudade,
O alçapão fechado,
As gaiolas vazias...
Que voem!
O quanto mais alto for,
Voem aos céus mais longe...
Queridos pássaros,
Voem...

sábado, 2 de junho de 2012

Eu já sei fechar os olhos...


Corram... Fora daqui, diabos...
Este é o meu desvario.
Versos de tempos perdidos...
O melhor está atrás das pálpebras,
Ali naqueles olhos uivantes...
E nesses tempos cinzentos, lúgubres,
Em que se antecipam os relógios,
Claustrofobicamente...
A luz do inconsciente foge à loucura.
Restando-me apenas soluções imagéticas,
Das quais, só as vejo de olhos fechados.
Fechem os olhos comigo...
Há pictóricos mundos perdidos
À procura de nossas forjadas mentiras.
E à procura de nossos sentidos.
Vejam... Naquela ogiva de raios luminosos,
Depois do ofuscamento,
Há a mais pura das visões.
Estas são as que eu procuro,
Desde a infância até o último sono.
Então, que apressem-se os relógios,
Eu já sei fechar os olhos...

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Aí, sim...

Ah, os relógios, todos terríveis, não os suporto mais!
É um fardo no estribilho dos meus dias,
E há dias que não saio deste inferno.
Onde estamos?
São o meu infortúnio aquelas catracas.
Aqueles ponteiros me levam ao mais ínfimo dos infernos.
E este inferno é o martelo da bipartição da minha consciência.
Aonde iremos afinal?
Juntar-nos aos ignorantes e clamar por um libertador?
Nós é que somos os últimos baluartes esquecidos.
A pena está em nossas mãos...
Ouço a barafunda das mil vozes endemoninhadas de minha liberdade.
Quem irá me ouvir?
Não tente me devorar, Cronos...
Sou o teu filho
E irei te libertar desta agonia...
Vamos,
Dei-me a mão e nos lançaremos deste monte até o fim.
Aí, sim...
Estaremos livres de vez.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Até a Venus abrir as portas de sua percepção.

Ah, a impenetrabilidade...
Eis um desafio para os mancebos.
Do que nos resta a juventude?
Meio mundo de sonhos infames?
Ali se foi todo o moralismo obtuso,
Todo o maniqueísmo litúrgico
E o véu sujo da divindade.
Aquela nudez palpável
Irá destruir mil Tróias no mundo
E os templos cairão por terra.
Não irá sobrar sequer um demônio
Nem mesmo as musas de Safo
E os pervertidos velhos barbudos.
Os desvairados irão beber todo o sangue
Até a Venus abrir as portas de sua percepção.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Pule!

Do alto da montanha, pulo
Até o rio que corre ao mar.
Este é meu vôo sobre o vento
Que nem todos podem ter
Nem sonhar...
Há o vento,
Deitado no horizonte...
Vamos até lá?
Venha comigo, brisa.
Ouça o barulho de minhas asas...
Este é o poema escrito no corpo.
Deixe na praia a poeira do vidro
E vamos até depois do mar...
Precisamos cultivar a nova terra
Para os que ainda saltarão da montanha
No rio que corre ao mar.
Pule!
E venha comigo...

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Eu sei...

Ah, o retorno é sempre bom...
Depois de quebrar os deuses de alabastro
E lançar-me fora da carruagem faiscada,
Retorno ao velho moinho de pedra,
Desço o poço até a fonte.
Lá estão Orfeu e os outros tocando a bela música
E todos os outros bárbaros...
Eles cantam e dançam como índios entorpecidos,
Reinventando o velho universo.
Lá no fundo do poço o barro arde áspero e quente.
E com a argila esculpem a nova Grécia, Roma e Pérsia.
O mundo pertence aos bárbaros,
Eu sei...
É preciso subir ao extremo norte
Onde não há argila nem alabastro,
Para tornar-se pacífico e eterno mancebo.
Por isso deixo aqui os velhos barbudos e os pedreiros
E subo!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Soneto n° 1

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...
Ahahahahahahahahahah...

domingo, 19 de junho de 2011

Até que a luz se volta...

Há dias que o sol escurece
E não há sequer as chispas de uma candela.
As cores afugentam-se todas
Numa imensa imagem escura, inóspita...
É o inferno, indubitável e perverso
Com os demônios mascarados
À procura de suas faces perdidas...
Eu vejo os vultos e suas máscaras
Na multifacetada máscara do outro,
Máscaras dos demônios no escuro...
E um deles olha pra mim
Com seus olhos cristãos...
Como nos meus velhos olhos no espelho.
Até que luz se volta...

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O pobre pássaro

De tanto voar, cansa o pássaro,
Entediado do céu aberto, imenso...
Chega até larga o céu por algo intenso,
Algo difícil de ver, de tão puro e raro.

E busca a vida inteira o pobre pássaro...
Até achar o que procura de tão escondido.
Busca, busca até sentir o próprio sentido...
E quando encontra, paga um preço caro.

É uma loucura voar o céu perdido.
Sem saber onde pousar acaba ferido,
Sem o azul do céu imenso e claro...

E aí termina preso o pobre pássaro...
Com a ruína de seu destino sofrido,
Cantando pro seu amor não ser esquecido!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Soneto Maldito III

Depois do imenso ego ferido,
O moralismo perde a calma
E se enche de ódio até a alma
Como o velho diabo perdido.

É a insensatez a própria vaidade
Que liberta o demônio proibido,
Abrigando no coração, escondido,
O sopro dos moinhos da maldade.

E jorra o ódio como a água na fonte,
Molhando os olhos, franzindo a fronte,
Rosnando planos pelos próprios dentes.

É a liberdade humana e as suas fraquezas
Que dominam as idéias e as suas certezas,
Acabando com a pureza de todas as mentes.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Soneto Maldito II

É o inferno toda a imaginação
E a verdade é simples e pura!
Os demônios sofrem de solidão,
E perdidos, se enchem de loucura.

Aí o negro céu da mentira fura...
E se desfaz na tempestade o enredo
Que no tempo o sonho era o segredo
Pra encontrar no fundo a própria cura.

Que diabos a mentira esconde?
E a maldade termina onde?
No infinito da indagação?

Malditos, perdidos pela usura,
Jamais terão a candura
De ter puro o próprio coração.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Seco ou tinto...

– Um vinho, por favor...
– Seco ou tinto?
– Seco e meio amargo...
Amargo... como a vida é as vezes, amarga.
Foi a um tempo perdido que os relógios jamais o trarão de volta nas voltas que o ponteiro dá. Era quando existia eternidade e eu podia correr atrás de Alice no seu país fantasioso... eu corria na minha infância... corria os campos pra bem longe de todos... corria livremente com o vento no rosto como um pássaro... eu corria livremente...
– Por favor, você poderia pedir ao pianista que me tocasse a Opus 37 de Chopin. É um pedido de aniversário.
– Claro. Tenha as nossas congratulações, senhor...
Alice... por trás de toda a vida há uma grande paixão. É imprescindível viver a experiência de uma grande paixão e incomensurável a sua importância em nossa vida. Mesmo quão grande seja a infindável frustração de nossas vontades...
– O vinho está ótimo e Chopin, como sempre, inenarrável.
Quando nasci, eu deveria ter sido lançado do monte Taigeto como os filhos impróprios de Esparta. – Sorte! Meus pais tiveram compaixão de minha aparência um tanto diferente. A fissura labial é um problema congênito e provoca uma fisionomia fora dos padrões estéticos de beleza. É um toque divino que põe alguns indivíduos no seu lugar um pouco atrás das possibilidades romanescas e um pouco à frente na lista dos mais perturbados com os mais horrendos opróbrios escolares. Aliás, a minha vida toda foi uma grande chacota, divina. É a permissividade dos céus na construção de conflitos espetaculosos para a grande tragédia da vida. O prazer às vezes consiste em assistir a dor dos outros. – Sorte! Meu pai era arquiteto e minha mãe, médica. Financiaram uma cirurgia planejada para quando os meus lábios estivessem mais desenvolvidos, para camuflar a falha genética, amenizando meu problema com as mulheres quando completei dezoito anos. Mas nada superou meus traumas psicológicos...
– Grande Chopin... consegue traduzir as paixões e aflições de um ser como eu em um belo piano. Adoro a música... sinto a alma... sinto a vida sendo consumada poeticamente... sinto... é bom sentir, sobretudo a vida.
– Por favor, traga-me outra taça de vinho, o mais amargo que tiver!
Eu tinha dezoito anos quando conheci Alice... foi perto do farol, do mar... a praia era das gaivotas e eu as fotografava. Uma moça voava os cabelos no vento do mar... lindos aqueles cachos negros e o vestido branco... era quase uma noiva... não pude deixar de fotografá-la... “Oi, posso lhe entregar uma coisa?”; “Oi... que coisa?”; “Isto...”; “Ah, que lindo, uma foto minha...”; “O enquadramento era mais bonito que o das gaivotas.”; “Obrigada, o meu nome é Alice...” Alice... tornamo-nos amigos e posteriormente namorados... Foi a minha eternidade aquele amor, foi a minha vida... era bom viver... antes eu era um fracassado, vivia me escondendo das pessoas com medo de mais opróbrios, com medo de que me olhassem com aquele horror. Depois da cirurgia fiquei bem melhor. Pude viver de verdade e na agradável companhia de Alice. Nadávamos juntos no mar, subíamos a colina, corríamos os campos... posso dizer que nos amávamos. E como amei aquela mulher... a vida, é talvez essa troca energética entre corpos que depois se dissipa...
– Por favor, mais um pedido de aniversariante: Você poderia tocar a Nocturne in F sharp minor. Opus 48. No. 2? Chopin é o meu predileto.
– Claro senhor!
Eu estava de regresso com Alice de um restaurante como este. Comemorávamos o primeiro calendário do nosso romance. Na esquina da rua esperávamos o sinal dos pedestres... um carro em alta velocidade se precipitou no asfalto molhado... os veículos são meios facilitadores de locomoção. O problema está na velocidade que é um grande perigo para os automóveis e principalmente para os inocentes. Pior que isso não tem nada a ver com deus. Os ponteiros moveram-se cinco graus de segundo e foi o suficiente para arruinar o sonho de minha vida. Pobre Alice... o chão tinto de sangue... foi a queda do alto do Taigeto... tudo tão rápido que deu pra perceber a ternura dos pingos da chuva cruzar o céu lentamente... o beijo do destino no asfalto molhado... tornei-me um homem seco...
– Chopin e vinho...
A paralisia é insuportável! Eu não me suporto e ninguém suporta um paralítico pessimista, cético e ateísta como eu! A questão é que a vida torna-se às vezes um grande malfado e é compreensível o suicídio. Mas tornei-me forte depois de ter nascido frágil, para superar a morte. Ou talvez seja o covarde medo da morte. Pior que isso, é perceber aos poucos que o amor é apenas uma convenção de trocas. Trocas subordinadas, mútuas... e proporcionalmente Alice vinha me tratando diferente por todas as minhas diferenças... talvez porque ela percebeu que não éramos mais compatíveis... não haveria condições de sustentar, na titânica juventude, a invalidez alheia... tudo por uma questão de proporções... é o destino trágico que está presente em alguns seres vivos: como os sapos que não tornaram-se príncipes e foram engolidos pelas cobras; e as cobras que foram devoradas pelos abutres; as girafas que foram ingeridas pelos leões; e os seres humanos que não escaparam da terrível cadeia alimentar. Os fracos são facilmente substituídos e consumidos pelos fortes. E tudo isso é mais uma genial ideia divina...
– Por quê? Por que deus faz isso com a gente? Talvez ele não exista para ouvir tudo isto. Ou talvez eu seja insignificante porque nunca ouvir a voz dele... Ahahaha... esqueci que as vezes falta sorte...
– Disse alguma coisa senhor?
– Sim! Traga-me outra dose de vinho, mas desta vez, tinto e doce...
– Sim senhor!
– Bravo Chopin! Bravo... Aplausos... Bravo...
Os artistas nascem da escuridão, como as estrelas!...
– Aqui está o seu vinho senhor...
– Está ótimo! Posso fazer o último pedido de aniversário?
– Claro senhor, se estiver sob o meu alcance...
– Você tem sorte, tenho um presentinho pra você também hoje... mas diga ao pianista que eu gostaria de tocar a próxima música. Nocturne in F minor, Opus 55. Afinal não é todo dia que completamos 23 anos de vida!

Washington Machado.
26 de maio de 2011.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Soneto Maldito I

Numa sala vazia do inconsciente,
Há um vulto imbuído de maldade.
Vagando entre sonhos, veemente,
Maquinando desejos de crueldade.

Cuspindo fogo e gelo entre os dentes,
Sorrindo com máscaras de falsidade.
Fitando, odioso, com olhos pertinentes,
Os pobres, perdidos de honestidade.

E os templos sagrados vão aos ventos...
Deixando nos pobres muitos tormentos
Que, endoidecidos, rendem-se à maldade.

Vagueando, perdidos, deficientes...
Cegos... pobres filhos, inocentes
De um pai, que é o pai da crueldade.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011



Aí eu vi o passarinho voar o grande trigal
E voava tão bem aquela planície amarela...
Ele voava
E nada o prendia.
Voava mesmo!
E o vento assanhava os ramos riçados de trigo...
O passarinho voava... voava...
E voava para longe dos caçadores com suas gaiolas.
Voava para longe... longe...
E voando foi-se embora.
Passarinho...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Última volta...

É a última volta do ponteiro
As almas já estão cansadas...
O corpo esgotado por inteiro;
O resto são ruínas desgraçadas.

É o tempo cobrando as migalhas,
Destruindo palácios, castelos, muralhas...
Levando, aos poucos, pedaços;
Deixando apenas cansaços.

E é o tempo que torna a vida perdida,
Que corrói amores, criando feridas,
Dilacerando até mesmo os fortes...

O tempo... acenando a nossa partida;
Fazendo as histórias tornarem esquecidas...
Acabando com tudo no seu rastro de mortes.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010





Pronto!
Agora soltei os pássaros selvagens...
Gaiola aberta e eles vão voar por aí.
Não restou sequer um.
Apenas o vento calmo do verão
Na beirada do mar.
Eles estavam furiosos
E eu os deixei fugir.
Era isso o que queriam:
Voar a imensidão azul do céu...
São livres!
De vez!
Mas, eu sei...
Eu sempre soube!
Eles vão voltar,
Famintos e desesperados,
Sedentos de meu mundo...
Voem pobres pássaros!
Eu vos tornei livres,
Atrelados apenas
Ao que eu posso chamar de
Amor.

sábado, 2 de outubro de 2010




Ah, todos são cruéis!
Basta apenas pisar os calos
E os demônios se soltam,
Cuspindo fogo e gelo...
Mostrando os dentes ferozes...
Uma hipocrisia de bondade é ensinada,
Um amor utópico é proposto...
Mas nós somos incapazes,
Aliás, somos mais que isso,
Somos filhos de um Deus Atroz;
De uma natureza injusta e falha...
Temos em nós mesmos a insensatez,
O egoísmo, a ira e a maldade...
Somos o fruto da crueldade,
Com resquícios da incompetência divina...
Somos o traslado da criação.
A criação!
Oh, estrela matutina,
Queimarás no fogo e no enxofre,
Serás pisoteado por desvendar os olhos,
Pelos pés calejados
De teu pai,
O teu algoz...
- Doidos são os poetas que morrem cedo...

terça-feira, 21 de setembro de 2010


Ali,
Do outro lado da janela,
Mora o pássaro
Comedor de migalhas...
Ele voa alto,
Mas insiste descer o chão!
Asas malditas,
Feitas de cera;
Jamais chegará ao sol!
– Morrerá,
Se quiser voar,
No alçapão:
De dor,
De fome,
Preso!
Pobre pássaro
Encarcerado...
Livre é o pensamento...
Dentro ou fora de uma janela,
Com um papel
E uma caneta em mão.

domingo, 19 de setembro de 2010




Por hora, deitei a caneta.
Há um tempo que antecede o trovão...
Antes da tempestade o vento sopra
Calmo, até ficar furioso.
Aí o cinza torna-se escuro,
Mas eu ainda sou o branco, o branco...
Protejam-se da tempestade,
Ela é avisada nos moinhos...
Fiquem atentos a não cuspir o vento,
Ele trás consigo fogo e gelo;
E é medonho a destruir os templos...
Por hora, o papel é branco.
Mas há um rascunho de poesia.

sábado, 31 de julho de 2010

Instante Breve

Leve-me, brisa! Leve...
No teu céu, sem nenhum tormento.
Livre como o próprio vento...
Mesmo que num instante breve.

Leve-me, alto, sob as montanhas,
Ou sob todas as ondas do mar...
Sobre o mundo, me faça voar...
E conhecer as tuas façanhas.

Um sopro de boas venturas,
Longe de todas as agruras;
Acima dos campos de neve...

Leve-me, brisa! No aroma das flores,
Por cima dos jardins dos amores,
E sob os lençóis que sempre nos serve!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Este romance

Livre! Como o vento e verso...
Puro! Como os sonhos do novo mundo.
Algo visto nos olhos, sentido no fundo;
Grande! Tanto quanto o próprio universo.

É assim, este romance garrido, insaciado.
Tão doce quanto os sonhos da infância...
Saudoso! Quando vivido à distância.
Gratuito! – que nunca seja acabado.

E de todas as venturas da vida, vividas:
As nossas histórias (jamais esquecidas);
E os momentos mais simples e poetizados...

E de todo o tempo, que em vida, iremos viver:
Quero estar contigo –, quiçá depois de morrer.
E que seja este romance: perpétuo e eternizado!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Em um pesadelo estroboscópico

Em um pesadelo estroboscópico,
Ouço, no ângelus, Gounod ou é Schubert...
E uma velha senhora cheirando fumo
Num banquinho de madeira.
E o “portador da luz”, numa viela escura, sorrindo...
Nada me acontece na última estação.
O trem parou sem passageiros,
Desci sem bagagens; quase nu,
Salvo pela bermuda!
Chinelas brancas, sujas de terra.
A cidade cheia de anjos expulsos...
A velha me olhando, baforando o cachimbo!
A barriga contorcida de frio.
Paro na cancela da cidade,
O trem não me leva de volta.
Eu me esforço e acordo,
Com a fronte e a nuca suada.

domingo, 11 de julho de 2010

Ao som do gramofone - última parte!

“Como ousam?” Foi o que disse o pobre, eu me lembro muito bem. E ele estava armado! “Não ouses fazer nada, Dilermando.” Disse Brígida Cécile, e os seus olhos outrora miúdos e ternos sob os efeitos do vinho, ficaram medrosos e lúcidos diante do homem que jurava acabar com nossas vidas. É, foi uma traição! Segredo maldito! Vi nos olhos do podre a barafunda de vários demônios e o brilho do choro de um orgulho ferido. O ciúme o fez morder os dentes como um animal feroz. O piano tocava Nocturne... Cécile tomou-me a frente e precipitou-se para evitar o que já estava premeditado. Aliás, tudo ali era o resultado de uma equação de fatores que se igualavam ao crime previsto. Tudo já estava concebido, predeterminado, era o resultado de nossas afeições pérfidas que tinham sido incólumes até ali. Tudo era previsível e nós estávamos inebriados pela volúpia. Traímos aquele homem... Aquele pobre homem cujos olhos queimavam como o opala dos olhos do lince na escuridão da noite. “Você não vai fazer isso, Dilermando! Não deves...” Eu disse, com um fardo nas costas e um punhal enfiado no âmago da consciência. Mas ele estava consumido pelo ódio e pelas feridas do orgulho... Apontou o Nagant em minha direção... Cécile tentou detê-lo, mas ele atirou mesmo assim... Foi como um ferro que me perfurou o pé um dia nas trelas da infância. Mas desta vez foi com o calor de dez mil infernos sob o meu trapézio tênue ao pescoço. O miserável atirou em mim! E o segundo tiro, quando Brígida correu para evitá-lo, para me defender, jurando que pelo amor ele não atiraria... Acertou-a no estômago. Foi tudo tão rápido como um relâmpago... A miopia de sua insensatez o fez vergar no arrependimento. O desespero o fizera cego e ele só enxergava pela lanterna do ódio o meu ocaso. Queria-me ver o líquido rubro escorrer até o fim. Cécile segurava o revolver com força agonizando no chão da porta e ele, de joelhos, tentava tomá-lo, mas não sabia o que fazer diante dela sangrando. Fui talvez covarde em bater num homem de joelhos. E o bati com a garrafa de vinho na cabeça e pelo mesmo desespero o empurrei das escadas. Oh, Cécile, pobre Cécile... Tomei dela a arma e fui conferir o homem que se levantara armado com um punhal. Ele tivera vindo preparado como a morte trás a sua foice. Por Deus, atirei naquele homem as últimas balas do revolver. Tudo como um raio da loucura fez daquela noite a mortalha que me cobriu o luto até hoje. E nada mais vejo além desse véu negro que me cobriu a vida. Voltei até Brígida e ela me olhava do chão com o último brilho de seus olhos. Misérrimo! Maldito eu sou! Não falou nada... Sua boca estava na cor púrpura da morte... O pulso não palpitava mais... Lembrei-me de Ana deitada no féretro... Aquele segredo maldito não era honesto. Não era digno da pureza que nos envolvia os lençóis. Por Deus o que eu fui fazer na França? Acabar com a vida de uma moça e de um rapaz, de uma família? Fiquei ali, deitado junto a Brígida sentindo seu último alento. Até que o tio Antoine chegou e me viu aos prantos. Ele também entrou em desespero e não tardou deduzir que eu era o assassino. Olhou-me com a brasa dos olhos enviesados de desentendimento. Eu o entendo! De certa forma eu causei aquele infortúnio todo. Aquela bancarrota maldita. “O que você fez seu assassino miserável?” disse o meu amigo do barco. “Você não entende, Dilermando entrou aqui com o Nagant apontado pra mim...” Eu disse como um menino arrependido que matou o pássaro numa brincadeira. O meu ombro sangrava varado pela bala. Os vizinhos deveriam ter ouvido os disparos e já deveriam ter chamado a polícia ou, contudo, não quiseram se meter. Ele correu para o outro quarto onde suponho ter ido buscar a espingarda e eu corri levando comigo as angustias daquela noite. Desci as escadas e peguei a chave do barco na porta da cozinha, fui para o cais... Corri para longe e para tentar explicar depois tudo aquilo. Corri para o porto onde estava o barco... De lá eu não o vi mais. Fugi para a Espanha naquela madrugada, cheguei ao meio dia na manhã seguinte. O ferimento estancou na viagem. Deixei o barco no porto de Málaga e esfriei a cabeça sob a brisa das andaluzas. Por sorte um navio iria para o Brasil no dia seguinte. Lá deixei aquele barco e com um pouco de dinheiro paguei a passagem de volta. O navio fazia escala em Recife e eu estive de volta à Rua da Matriz no dia vinte e nove de outubro de 1926. Irei poupá-los dos detalhes da viagem. Aqui estive encarcerado, preso às minhas agruras até hoje por toda aquela desventura. Definitivamente eu não tive mais ânimo pra nada. Carreguei em mim a maldição de um crime. Eu deveria ter morrido no lugar de Ana e de Brígida. Eu deveria ter me matado desde aquele enterro. Eu arruinei uma família, a vida de uma pobre moça. Deus não dever ter mais planos para mim... E a minha esposa deve estar me esperando em algum lugar... Escrevo aqui esta história maldita para que, se algum dia, alguém a possa ler: faça-a chegar às mãos de Antoine, e que ele me entenda. No altar da igreja da Matriz eu pedi a Deus que me perdoasse. Na volta do mercado caía um chuvisco e acabou molhando a corda, ficou encharcada e talvez o laço não funcionasse bem. Mas eu prefiro usá-la mesmo assim...

Aqui, em memória de Ana, Brígida, Dilermando e Antoine; deixo esta história! E ao som do gramofone ouço Chopin pela última vez.

Recife, 1º de janeiro de 1927.

João Alves Pereira.

sábado, 3 de julho de 2010

Ao som do gramofone - 2ª parte...

Marseille, nove de outubro de 1926. Brígida vinha mantendo um segredo para o namorado e o tio. Eu também! Porém com grandes ressentimentos, e que isso não me livrava da culpa de adultério. Os segredos são coisas naturais que suponho todas as pessoas devem ter. Mas o nosso não era um segredo honesto, e, pois, tratava-se de um segredo que ia de encontro com as propostas anteriormente acertadas com o namorado. Um namoro pré-supõe uma fidelidade conjugal e ela não vinha seguindo essa proposta que está subentendida em um romance. O fato era que Dilermando também não lhe era fiel e seguia uma vida promíscua pelos cafés meretrícios da cidade. Ademais era um romance por conveniências futuras de um casamento que serviria de sustentáculo para a vida de uma moça que já era órfão. Contudo, ela não parecia feliz. Dilermando era um homem forte, alto e já acumulava uma pequena fortuna familiar. Era também um rapaz bonito diante dos olhos femininos; muito bem quisto e se dizia apaixonado. Brígida o conhecia desde criança. Foi inevitável aquele romance! Até mesmo as núpcias antes do casamento. E Marseille é uma cidade concupiscente, sendo também muito natural que um casal de namorados que se pretendiam casar, transarem antes do casamento. Seria frustrante esperar todas as cerimônias matrimoniais para algo que se pretende fazer há todo momento. E talvez seja este o maior sentido de nossas vaidades: o sexo! Tudo o que fazemos tem um fim nele, ou pretende-se! Brígida me contou que sua primeira vez foi no barco do tio quando tinha dezesseis anos. Confessou também que Dilermando forçou até que tudo acontecesse. E isso é revoltante! Fiquei imaginando como deveria ter sido aquela cópula forçada quando fui pescar com o barco. O tio soube e tiveram que continuar o namoro e se preparar para o casamento, para limpar a desonra. Um estupro do próprio namorado. Cécile tinha os olhos libidinosos... vestia-se com roupas provocantes, era uma deusa... Continuamos com o nosso segredo e sempre após fechar o café deitávamos juntos, exceto nos finais de semana quando Dilermando voltava de suas viagens e vinha dormir no quarto dela. O tio já tinha aceitado a idéia. Nos sábados à noite, após fechar o café, eu pegava o gramofone emprestado a Antoine e o levava para o sótão, ouvia o saudoso Chopin, e olhava as luzes da cidade de Marseille. Uma cidade linda! De muitas cores e pessoas elegantes... até os mendigos eram elegantes! O idioma reverberava nos ouvidos como poesia... até mesmo os palavrões dos insatisfeitos nas feiras. Eu adorava dizer “le vent m'a amené ici” (o vento me trouxe até aqui)... ou como dizia Cécile: “La vie sans musique serait une erreur” (a vida sem música seria um erro), uma frase de um filósofo alemão. Ela tinha uma rabeca... eu adorava ouvi-la tocar as modinhas francesas e as sinfonias clássicas. O sótão era um quarto apertado, mas além da cama e algumas caixas velhas, a janela e as paredes de tijolos ingleses e a abóbada de madeira, havia uns quadros em estado de mofo no escanteio que me eram interessantes. Não eram lá as meninas no piano de Renoir, mas eram pinturas que de alguma forma me incentivavam a pintar também. Aliás, a França cheira a arte por todas as esquinas: são pintores, poetas, músicos, cantores, atores, escultores e artistas de circo espalhados por toda a cidade. Tudo era um incentivo para produzir arte, uma inspiração para fazer algo fora da esfera trivial da vida. Lembrava-me de Ana e de suas poesias. Ela também arriscava umas pinceladas a óleo. Umas imagens distorcidas, embaçadas, tristes... A ociosidade do domingo e o cheiro de arte que me inebriava o vento me fez comprar umas telas brancas, pincéis e tintas. Não sabia como começar, mas o ofício de pintar era no mínimo lúdico. Por gentileza, Antoine dizia que eram belas imagens. E eu encontrei ali, naquele exercício de pintar o maior subterfúgio para o frio de minhas unhas e o pigarro de meu choro engolido da morte de Ana. Chorava escondido no sótão... sonhava em ter filhos e viver por toda a eternidade. Que ingenuidade a minha. Deus é que é o dono dos planos... não entendia os planos de deus que me disse o padre. A vida tem aquele gosto amargo do dia que o médico me disse que Ana iria morrer. E agora posso entender porque as pinturas dela eram embaçadas... eram as lágrimas que davam um desfoque e a imagem do quadro fica distorcida. Ela sabia que iria morrer desde antes. Resolvi pintar, pintar e pintar sempre que eu pudesse com o mesmo desfoco que as lágrimas davam às minhas lembranças. Figuras pessimistas era o mote de minhas telas, a morte em especial. Naquele mesmo domingo fui ao Théâtre National de Marseille (Teatro nacional de Marseille), ali mesmo na avenida: Quai de Rive Nueve, próximo de casa. Era uma comédia de Moliere. Foi um convite que uma atriz tinha dado a Antoine, mas ele iria para outro lugar... fui porque ele me deu o convite. Mas percebi que naquele dia não estava com clima para comédias e voltei pra casa, beirando a calçada... uma voz alta na entra, uma discussão e era Dilermando dizendo que iria bater na moça porque disseram a ele que ela tinha andado de conversinhas com um cliente do café. Quando me viu entrar ousou dizer que não me metesse. Dilermando usava armas como um homem que deve ou quer dever a vida. Cécile disse-me com os olhos que eu subisse. Fiquei esperando-o ir embora com as artérias pulsando na fronte. Ele se foi. Brígida achava que deveria terminar aquele namoro, mas o tio não queria sua desonra. Desonra? Esses conceitos éticos atrofiam e carcomem a liberdade. Eu subi para o sótão e me pus a ouvir o gramofone... Chopin outra vez com a sinfonia Nocturne. Não tardou que Brígida subisse também... eu não sabia se deveria continuar com aqueles desvarios... segredos malditos. Antoine não dormiria naquela noite em casa. Ela estava com um vestido de flores vermelhas e laços no decote. E desta vez trouxe-me um vinho tinto do porto... soltou os laços e deitou na cama. Lembro do gosto do vinho ainda nos lábios dela; o cheiro da nuca e dos cabelos, os seios que me pus a beijar... não quero que sejam confissões eróticas, mas ela tinha algo que me desencaminhava, induzia. Ainda mais é um desejo natural que faz um homem e uma mulher se deitarem, mesmo sendo algo fora das liturgias religiosas. A noite não parecia acabar e estávamos cada vez mais ébrios. Até que Dilermando abre a porta abruptamente e nos vê sob os lençóis...

Continua...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Ao som do gramofone...

Recife, quatro de Julho de 1926. O gramofone tocava a última peça do disco de Chopin. Chopin é sempre fantástico como os momentos mais nostálgicos que temos. Ouço-o agora! E era um fim de tarde chuvoso como nos dias mais triste da vida. A chuva, de alguma forma parece ter alguma ligação mística com a morte... Preferi ouvir a música até o fim a tirar o luto ainda com os vermes taciturnos do campo-santo. Fiquei ali junto aos sapatos, olhando da janela como quem olha o oceano sem fim. Poucas pessoas passavam com seus guarda-chuvas para irem à Igreja da Matriz. A Boa Vista já era vazia nos domingos sem o comércio, e a chuva contribuía para que ela fosse ainda mais sozinha naquela quinta hora e meia da tarde. A missa começava às seis. Mas para mim não importava mais a missa nem as horas, quiçá o tempo não me fosse tão emérito quanto antes. Chorei ao vê-la no féretro... ainda estava linda como na mocidade! Cabelos vermelhos e um vestido lindo... O médico falou-me que o tumor cresceu rápido e não havia mais jeito. Ocupou todo o intestino e ela foi emagrecendo aos poucos. Era uma mulher de corpo magro e definido, mas ficou ainda mais magra de repente. Ela sentia de alguma forma que iria morrer... dizia que se encontrasse a morte pediria a ela que não a levasse antes que ela conhecesse o amor! Vinte e um anos... apenas seis meses de casados e não tardou aquele câncer maldito. Sonhava em conhecer a França... falava que era um lugar lindo para morar e viver um belo romance; tomar café, pintar quadros, transar e escrever poesias... A França é realmente linda para tudo isso. Mas não pude levá-la na nossa lua de mel. Eu trabalhava no porto do Recife: enchendo os navios de açúcar, e em casa concertava alguns sapatos e ainda fabricava moveis com um amigo. Mais não era o bastante para bancar a nossa viagem. Naquela tarde, após fechar a porta do ataúde e despedir-me dos familiares e amigos, voltei pra casa, sozinho: andando do cemitério de Santo Amaro até a rua da matriz, nº 89, só olhando o chão molhado da chuva... passei sete dias ouvindo Chopin e comendo apenas pão e bebendo vinho. Não que eu estivesse cometendo a antropofagia do corpo de cristo com algum vulto de ira aos céus... No sétimo dia fui à missa, afinal a igreja era na esquina da rua de casa e eu não quis ficar ali, junto ao mau-cheiro dos sapados furados e sem sola. Na missa eu senti vontade de vomitar, talvez pelo excesso do vinho, ou talvez fosse enjôo de uma sensação vilipendiosa para com os planos de deus com a minha mulher. Planos, disse o padre. Planos... depois voltei pra casa e fiquei mais uma semana... alguns amigos me visitavam e diziam votos de pêsames. Fiquei um longo tempo na clausura de meus dias melancólicos, lendo os livros de Ana e ouvindo o saudoso Chopin. Passei a ir à missa todos os domingos. No último do mês de Julho, após a última reza, fui andar pela cidade: mendigos encontravam-se ha cada esquina e na Rua Nova tinha o cinema Royal. As moedas de meus bolsos não davam para pagar o ingresso. Um amigo convidou-me para um daqueles cafés meretrícios, no intuito que eu esquecesse o meu infortúnio. Eu só quis andar pela cidade... caminhei pelas pontes, avenidas, praças e ruas... fui até o marco da cidade tomar a brisa do mar... ali fiquei por horas e a madrugada chegava com suas nuvens escuras... mas não chovia, era como um choro engolido do céu. Fiquei fitando os arrecifes de arenito e calcário no mar... pela alvorada um navio cheio de açúcar daqueles armazéns preparava bordo. Um amigo com quem trabalhava no porto estava conversando com o comandante e levava algumas malas consigo. Ele me avistou de longe e não tardou chamar-me para saber de meus sentimentos. Fui ter com ele o que queria. Eu estava vagando sem rumo, sem querer voltar pra casa. Do porto fazia um bom tempo que não trabalhava. O meu chefe preferiu que eu ficasse em casa descansando um pouco mais. Uma licença para o luto! Thomas me deu um abraço e disse que Ana estava nos céus com deus! E eu disse que ela ainda estava em mim... nas minhas roupas o seu cheiro; nas cartas que me escrevia poemas; no meu coração e a todo momento em meus pensamentos... estava comigo, em mim! Ele falou que eu deveria fazer alguma coisa para sair daquela situação: viajar talvez fosse interessante. Eu queria era vagar pelo mar sem fim e afogar-me no meio do oceano... Não tinha mais planos, ânimo algum para começar de novo. Aliás, nada mais me era interessante, a não ser Chopin que tinha sido o meu companheiro de aflições. O comandante ao ver a bancarrota que tinha se tornado a minha vida, disse-me que Thomas tinha razão e sugeriu-me viajar também com eles para a Europa, lá havia trabalho em vários portos. Ele tinha conhecimento e poderia arrumar emprego para dois jovens trabalhadores. Uma nova vida em outros ares. Eu nem me imaginava fora do Recife. Disse que não quis sem demora e que deveria voltar pra casa e cuidar das coisas, do trabalho, continuar mesmo assim. Despedir-me deles e voltei na direção de casa. O sol que estava escondido naqueles dias de inverno retirou as cortinas das nuvens e aqueceu o meu rosto barbudo. Lembrei-me de quando era um mancebo imberbe e sonhava em conhecer o mundo. Nos tempos que conheci Ana no ginásio pernambucano... fui voltando e na praça do diário comprei um jornal e sentei-me na praça do palácio do campo das princesas para ler as notícias da burguesia; os vexames nos café-bordéis da cidade: vendas de cocaína, morfina, éter, ópio e outros tóxicos. Mas numa outra página havia as novidades sobre a França: uma copa de futebol que não me interessava em nada. Mas uma exposição do impressionista Pierre-Auguste Renoir chamou-me a atenção. Renoir era o pintor favorito de Ana e meu também. Uma fagulha de sonho acendeu-me as chispas da porta de minha imaginação. Era a França que Ana tanto queria conhecer e que eu sonhava na aurora de minha mocidade... talvez a França fosse o diagnóstico de meu esmorecimento... Thomas e o comandante Jaime iriam para a Europa e possivelmente passariam pela França. Entusiasticamente eu senti o vento cochichar em meus ouvidos. Voltei ao cais e por sorte ainda estavam lá como que me esperassem para alçar âncora. Era sete e quinze da manhã, o navio sairia às oito! Eu disse que mudara de idéia e iria com eles. Thomas foi comigo até em casa, na boa vista, para arrumar as coisas depressa. Talvez a Europa fosse um ótimo lugar! Senti no sol e no vento bons ares para esta viagem. Pus o que coube na mala de couro marrom, tranquei a porta e nem me despedi dos vizinhos. Pegamos carona no bonde que passava pelo cais e chegamos ha tempo! O navio zarpou ruma à Europa... a viagem foi tranqüila, ajudei a limpar o convés e as demais obrigações de marinheiro. As noites no oceano são lindas: as estrelas parecem maiores e mais nítidas; Jogávamos cartas e xadrez durante a viagem. No vigésimo primeiro dia ancoramos em Marseille na França. O Comandante Jaime apresentou-me a um amigo no cais do porto. Eu não sabia falar Frances, mas ele sabia português e já havia visitado o Brasil antes. Antoine Byron morava perto do cais, na Rue Fortia, nº 7, na esquina com a Rue Saint-Saens e tinha um pequeno barco de pesca. Disse-me que havia emprego no barco e no café que tinha no térreo de sua casa. Ofereceu-me um lugar no sótão por enquanto que eu me organizasse. Ele sentia saudades do Recife e de uma jovem que conheceu na juventude. Quase se casou com ela! Morou na casa dos pais da moça, mas teve que voltar para a frança com a morte do irmão. O pobre deixou-lhes uma sobrinha, Brígida Cécile Byron. Antoine cuidava de tudo com a ajuda dela, uma moça de seus dezenove anos. Tinha também os cabelos vermelhos e era magra. Uma magra de corpo que se definia na silhueta do vestido; olhos verdes... Brígida tinha um namorado, Dilermando Chermont, trabalhava com os navios maiores. Fazia muitas viagens pelo mundo. Fiquei ajudando Antoine no barco de pesca e cuidando do café à noite. Thomas seguiu viagem com o comandante Jaime para a Grécia e depois Itália. Escolhi a França por sonhos antigos. Empenhei-me no trabalho para esquecer as angústias deixadas no Recife. Mas Ana estava comigo no coração. No último dia da exposição de Pierre-Auguste Renoir, Antoine convidou-me para ir com ele e depois tomar alguns vinhos. Eu havia contado a ele que era um dos motivos de minha ida à França. Tornamo-nos amigos e trabalhamos juntos por um bom tempo. Ele contava suas aventuras no Recife... as prostitutas e os teatros eram recordações da noite. O romance que teve com a atriz que jamais esquecerá... era um homem de bom coração! A cidade de Marseille era linda e cheirava a vinho branco naqueles tempos... recordações sinestésicas! Conheci algumas jovens, mas sempre aventuras efêmeras. Nunca esqueci Ana! Mas uma noite, após fechar o café, subi para o sótão com algumas nozes e Brígida subiu em seguida levando-me um suco. Um vestido curto e solto para uma bela noite de sono e para incitar a volúpia também. Era tão linda que me perturbava a sua presença naquele quarto apertado. O tio Antoine dormia como um morto cansado da guerra. Brígida sentou-se na janela e perguntou-me uma série de coisas... sobre minha mulher, a vida na antiga cidade, os meus planos... os seus olhos de jade e a silhueta das ancas, o seio e os lábios eram convidativos, mas nem sei se eu deveria decepcionar o meu amigo... Ela deitou-se na cama e se cobriu com o lençol, chamando-me para sair do frio... Assim, suponho, começou a história de minha prisão...

Continua...

O Recife das multicores

Do alto da cidade,
As nuvens da ogiva do céu
Parecem cavernas de ametistas...
E o topázio da lua cheia
Que fura a noite opala
É como o caleidoscópio da imaginação...
E a luz âmbar dos postes
Das ruas, avenidas e pontes:
Iluminam as multifaces do povo
E levam-nos na arteira dos rios pulsantes
Até a última ponta do cais,
Para um encontro com as ondas do mar...
E depois do arenito dos arrecifes,
O Recife das multicores
É a cidadela dos oceanos
E o brilho do próprio nácar...

quinta-feira, 24 de junho de 2010


Além dessa névoa escura da noite,
No recôncavo de arenito perto do mar,
E longe dos olhos negros do alquimista
E das mandíbulas de dentes travados,
Rangidos do ódio mefistofélico...
Ponho-me a olhar de cima
Vendo a luz do faroleiro
E a brisa no rosto molhado,
Suado do longo caminho...
Então pulei para fora do corpo
Despido na encosta das ondas...
Olhando o abismo do horizonte sem fim
De onde saiu deus com a boca aberta
Expulsando os demônios da noite
E começando uma nova aurora...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Cantor Boêmio

Antes que eu morra, mais um gole de bebida!
Da mais pura e doce que a dama me serviu.
Para que eu bêbado venha aquecer o frio
De minha pobre vida, curta e desgraçada.

E mais uma baforada quente do fumo!
Para jogar a fumaça no vento, no sumo...
E não ser tragado nas brumas e consumido
Nem ser ingerido pelo tempo e perdido.

Vou indo, afogando-me, lançando-me fora...
Meus vícios comigo vão para o abismo!
E do que ainda restar seja esmagado!

Miserável destino! - me faz ir embora...
Mas antes que eu morra; meu egocentrismo
Não permitirá que meu canto seja engasgado!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Uma transubstanciação


Apenas um holofote estava aceso. E ele permanecia deitado, estático a observar a madeira polida em bronze. Naquele ambiente sorumbático não havia mais ninguém. Um murmúrio lá fora do vento... “Bravo...” Gritava o público em meio aos aplausos e assobios... – ele não tinha mais ânimo para levantar-se e estava confuso. Hora ribalta acesa, elenco todo no palco e a ovação da platéia; Hora o escuro de um teatro vazio sob a luz de um só âmbar. Um certo anacronismo anacoluto que não se pode explicar sequer com a mais arguta das percepções humanas nem, contudo, com as interpretações mais místicas e religiosa que se possa imaginar. Ou talvez fosse uma transubstanciação. O homem estava ali, deitado, nas trevas de um lugar ermo após um bater de pálpebras naquele instante fugaz da apresentação teatral. Levantou-se, limpou a indumentária do personagem que se vestia. Ficou sem entender. Mas afinal para onde foram as pessoas que ali estavam ha pouco? – ele não podia estar louco e, o que seria a loucura? Era um homem íntegro, inteligente e dotado de uma genialidade enorme para dar vida a papéis dos autores mais diversos. Sua família o amava, todos o amavam e ele não tinha problemas aparentes. Um sonho quem sabe. Mas suponho que sabemos diferenciar quimeras oníricas de momentos reais. Tanto pela disposição da luz, dos objetos, quanto da nitidez das coisas em si. O fato é que sempre conseguimos perceber e acordar quando o pesadelo realmente está nos incomodando. As coxias estavam ainda mais pretas e soturnas como a rotunda. Nada havia além do ator naquele lugar sombrio... O espetáculo acabara e as pessoas se retiravam para suas casas. Os atores e atrizes se recolhiam para seus camarins a se trocarem. – “Onde está Ofélia?” dizia aquele outro ainda vestido e sentado no cenário... O homem afligia-se em não entender o que estava havendo. Foi lá em cima na entrada do teatro e ninguém. Apenas uma rua escura e as portas estavam fechadas. Nos camarins não havia ninguém; Nem na maquinaria nem no fosso. – o som de uma coruja rasgava o céu no silêncio da noite. Pela manhã talvez chegasse alguém do teatro. Ele preferiu dormir ali mesmo, no chão de madeira... Todos já haviam se trocado e retiradas suas maquiagens iam-se embora. A mulher e a filha não agüentaram mais esperá-lo e foram até os bastidores, mas ele ainda estava no palco, sentado... “Papai” – exclamou sua menina. E ele, com seu olhar obtuso, dizia: “Onde está Ofélia? Preciso vê-la mais uma vez... ”Papai...”; “Querido...” Relutavam a mulher e a menina. – “Saiam daqui! Não Conheço vocês... Onde está Ofélia...” - Insiste o pobre homem... O outro, ou talvez o mesmo agora dorme nos latifúndios de sua própria mente.

sábado, 8 de maio de 2010

Castelo de areia é o que somos.


Do pó que cai da ampulheta,
Um castelo construído na beirada do mar.
E as ondas que atravancam a praia de veneta
Levam, em pedaçinhos, tudo o que podemos sonhar.

Castelo de areia é o que somos.
Erguidos inocentemente como um brincar.
E sob o estribilho do tempo a vagar
Repetimos o marasmo das ondas que fomos.

Passado, presente e futuro...
Tudo refletido nas águas do mar
E nas brumas do tempo escuro...

Lembranças no ocre de areias multifacetadas.
Não há nada no mundo melhor que amar...
Antes que as ondas tornem as vidas dilaceradas.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Como nas guerras do mundo inteiro

Como nas guerras do mundo inteiro
Vivo lutando à beira de aflições...
A minha sina é a de um guerreiro
E como os artistas eu vivo emoções!

E sinto no vento o tempo passar...
Trazendo as agruras franzidas na fronte!
E vejo os heróis do passado, enterrados no monte
E em brisas de miasmas espalhadas no ar.

Luto pelo o amor, pela liberdade e pela terra!
Clamo pela sorte!
Antes que a terra me cubra, lá em cima no monte...

É essa a vida dos guerreiros na guerra...
Vida e morte!
E os sonhos em moedas jogadas na fonte.

Voa menina, voa!

Voa menina, voa!
Que tuas asas são pra voar!
E a voz da tua boca soa
Presunçosa em querer cantar.

Piaf era um pássaro sem medo...
Tu não voas, mas quer voar...
E os abismos do teu enredo
É que engole o teu cantar.

A voz minguada, engasgada some.
Abra as asas, escreva seu nome...
Não na lápide, és uma Elis...

E nos campos de flor-de-lis...
Voa menina, voa!
Que tuas asas são pra voar!

sábado, 10 de abril de 2010


Folhas caídas, secas e mortas...
- Outono desgraçado!
E o frio é como o inverno do mês seis.
Os galhos estão magros e a terra úmida.
A natureza está em ruínas como a nação pós-guerra.
O que esperar desse tempo cíclico?
Até as flores estão murchas...
Deus não gosta da eternidade
Por isso permite ceifar a vida.
Pobre lagarta que não voou e morreu...
É uma limpeza de coisas inúteis...
Tudo é fútil!
As folhas caem para nascer outras mais belas...
Somos nós todos assim:
Folas caídas, secas e mortas!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Chega o inverno!


Chega o inverno!
E escorre nas janelas a chuva,
O frio embaçador...
O cinza toma conta das cores opacas.
E as cortinas do céu escuras.
No asfalto molhado o brilho dos postes...
Não queria falar de desejos, mas me lembro dos lábios,
Molhados também!
O tempo não sugere outra coisa...
A vida é, às vezes, apenas um beijo.
E a saudade pra nos dizer que somos escravos.
Escravos do tempo e das vontades...
O frio prepara-nos para o ataúde
E a chuva é como o choro de nossas mortes.
O tempo é este. É mórbido!
O ósculo tépido, nostálgico
É o melhor quadro da memória.
É difícil disfarçar que a vida é como um beijo
Efêmero como o cair da chuva
E eterno como a saudade!

Invenções malfeitas

Às vezes,
Percebo em minha volta,
Um menino que fui e que não o sou mais...
Eu era tão bonzinho
Que fui engolido pelo monstro que sou.
E hoje sou tão mau que me acham bonzinho.
Eu posso ver os demônios...
Venham,
Sentem-se aqui para confabularmos juntos
Sobre o que fazer desse mundo enganado...
Sou honesto para dizer quem sou,
E sou o que digo!
Não prometo nenhum éden nem algum céu caiado de mentiras...
Isso é conversa!
Eles são os mesmos malvados que os levarão a morte...
Venham comigo para um mundo novo
Em que nós somos os próprios deuses...
A morte é a nossa esposa de amanhã
E antes de deitarmos com ela
Façamos de nós maiores,
Intrépidos,
Vorazes,
Iguais...
Assim haverá verdade longe das disparidades.
Invenções malfeitas,
Esculpidas com o tempo...
Uma merda que se deteriora...
Às vezes,
Percebo em minha volta,
O velho que um eu dia serei.
- Seremos!
Então sejamos todos iguais.
As mudanças são boas e más...
Por isso prefiro ser eu.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Rosna no meu estômago ferido
De tantas outras já emoções pendentes
O amargo, áspero, acre, agridoce...
De uma ânsia de dentes mordidos.
Maldita sensação orgânica e lacrimosa;
Saudosos sentimentos perdidos.
Ah! meu estômago,
O vômito seria a solução!
Dioniso dê-me uma dose
Para o diagnóstico de meu infortúnio.
Quero beber o último gole até o inferno
E dizer que amo as putas do bar...
De minhas sensações exorbitantes,
Pleonasmos cataclísmicos...
A minha saudade orgânica.



Discorro como um rio as ribeiras
Corro seguindo as correntes as correntes do mar...
E na beira da praia beijo às ondas.
São as ondas, o mar: a foz do meu rio.
Desço, escorro as ribeiras o meu caminho.
Vou seguindo até a beirada do mar.

sábado, 13 de março de 2010

O espetáculo vai começar!

Não vi demônio nenhum na escuridão.
Só almas vagantes, insaciadas...
Eu ansiava encontrar os mortos
E só vi a minha imagem no espelho.
A alcova está cheia de espectros maquiados.
Na coxia há um vulto de meu personagem
E eu o chamo para a luz.
Não há holofotes na ribalta para mim
Nem assoalho que me possa sustentar...
O palco é dos demônios que a igreja amaldiçoou.
- Merda!
Para que aconteça o contrário da vida insaciada...
Venham pobres perdidos para debaixo de minhas asas.
- Eu sou Dioniso...
A escuridão do teatro é para os que não têm medo das trevas.
Lá existe a vida abundante para os inconformados.
O texto está cheio de amor e de ódio
Desde que os deuses escreveram o grande espetáculo...
Poetas metidos à bestas.
Venham aqui atuar ao invés de mandar seus filhos medrosos.
Eu estou aqui no proscênio puxando as cordas das cortinas.
O espetáculo vai começar!

sexta-feira, 12 de março de 2010

Arrarrarrarrarra...
Esse é o meu deboche longe da máscara cortêz.
Ouçam-me, pobres surdos.
Eu não sou um poeta, mas sempre tenho algo a dizer.
Queiram ouvir, bandidos.
Saqueadores dos sonhadores antigos...
Desta vez não vim com métricas e rimas baratas...
Tampouco quero pular as linhas com versos desconexos...
As pautas merecem uma voz.
Portanto ouçam:
Desta folha caiada em que se permite riscar;
Deste papel impoluto em que a mão surpreende a vaidade vã...
A única e cruel de todas as coisas que amedrontam a Deus...
A querida e nunca sentida por completa;
A proclamada e burlada pelo cárcere do medo...
A liberdade!
Esta é a minha musa de todos os versos que mata o meu poeta...
Ela é a que me faz morrer antes de todos e viver longe daqui.
Poucos a conhecem e já se deitaram com ela...
Os medrosos nunca a terão em sua nudez libidinosa...
E nesta folha pálida em que há o seu nome,
Há também a minha voz presunçosa e incompreendida.
Fodam-se, malditos.
E seus medos os conduziram para o inferno...
E serão todos lançados para baixo como poeira da ampulheta;
Deixem suas cinzas para as árvores dos cemitérios
E fora do ataúde deixem a folha de papel com a voz ecoante...
Ouçam e se ousarem dizer gritem para que vocês mesmos possam ouvir...
Os fantasmas estão soltos querendo gritar...
Lancem-se também na noite e na brisa da manhã...
E no final risquem o papel outrora morto.
Aqui só se permite os que não têm medo
E os que têm algo a dizer.
Deus que me venha dar as nádegas para boas palmadas...
E as suas bundas levantem-na para correr.
Eu já estou aqui, pretensioso para ir mais longe.
E suas lentes embaçadas nunca os permitirão enxergar
Senão quando a própria liberdade quebrar os seus óculos.
E da emoção que restar agora, agradeçam-me.
Eu já ri o bastante.

Cretino...

A mão estendida,
Os pés na cor do asfalto,
Os olhos desconfiados,
Esmorecidos, verdadeiros...
A bermuda fora a calça de alguém;
A camisa emblemática do corrupto;
Descalço e sujo
Na calçada dos judeus.
Ele é o meu transunto
E Deus ama a imundice...
- venha aqui, Senhor! Velar comigo.
Ecce Homo!
Eu sou o lixo do canto da rua,
Os ratos, as baratas, os vermes do esgoto...
Eu sou aquele homem que pede esmolas
E Deus é a minha imagem.
Eu me vi naqueles olhos chispados
Que ninguém se pôs a ver.
A cidade, cheia de tudo, e ninguém viu o morcego.
Alguém viu o morcego?
O canário está na gaiola e todos querem ouvi-lo cantar.
Cadê os porcos? Cadê os porcos? Cadê os porcos?
- Deus, saia da platéia e suba ao palco!
Cretino...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Relâmpago

Passa-se a vida sob os olhos como um raio.
É o esvair do fôlego da criança que se faz velho.
Roubado pelo tempo, tenta fugir o gaio.
É o periélio a vida e a morte é o afélio.

Ah, se não houvesse mais relógios pra mim;
Diria ao tempo que o tempo acabou.
E não escravo mais seria do tempo que restou,
Que me empurra veemente direto até o fim.

Do que fazer desse estupor que a vida nos faz?
Horas felizes aos sorrisos que algo nos trás;
Horas desditosas aos prantos que a dor nos jaz...

É a vida, todo esse relâmpago de um prazer breve;
De conflitos amontoados que o poeta escreve
Para que fique algo antes que a morte o leve...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Ao relento da noite um entorpecer do vinho...
- A algazarra dos menestréis é a pura embriagues.
Como as vagabundas da estrada, somos desde o ninho;
Filhos dos nossos pais que já viveram a sordidez.

É tudo uma nojeira só e dizem que é pecado.
Somos todos filhos de Adão, Eva e da Serpente;
Somos hoje, os filhos do deus inconseqüente,
Somos a própria maçã, o fruto, o resultado.

E me disseram que o vinho é o sangue da vida.
- pobre seria se eu não o pudesse beber.
E na verdade é o arroubo dos homens na lida.

Como o das meretrizes quando não querem ceder...
- Ora, bebamos os copos sem poesia qualquer.
Um dia seremos os pais nesse mundo onde se faz o que quer.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Na minha infância, impoluto;
Era um nauta; queria os mares.
Hoje, ambicioso e dissoluto,
Como um pássaro, eu quero os ares...

E voar na imensidão do imaginário.
- sem o auxílio de qualquer entorpecente,
Pra não ser como um pobre condescendente
Que não atinge o próprio relicário.

Queria, quero; sempre quis.
Como quem risca o chão com pedra giz:
A sorte – o destino de um homem hiperbólico.

E do imaginar anacoluto, prosopopeico;
O meu – julgado insano: onirismo epopeico.
Louco como um desejo esotérico.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

– Uma querela!
Eu quero a pele negra, nua, de cabelos riçados;
A beleza afro, de seios pontudos e as ancas largas...
- sou perverso, libertino e atroz.
Eu quero despejar de meu falo o libido caiado –, e elas querem beber...
Nada de perder tempo com pilhérias... o gozo já é o bastante.
Em meio à bosta dos cavalos e porcos.
Um cretino envergonhado e virulento,
Cuspido como quem cospe o excremento;
Jogado fora e condenado pelos párocos.

Um pacóvio oriundo dos negrumes
Homem pródigo, maltrapilho, maltratado...
Despojado na lama dos alcatruzes;
Vilipendiado, trôpego e malogrado.

De um uivar triste e faminto,
Mendigado, minguado e tosco.
A perambular como vagabundo conspurcado.

Andrajosa criatura do recinto,
Foge das agruras do deus fosco
E vai pelo mundo pra não ser estripado.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Cínico...

Na cidade de Ancorada, uma jovem moça, previsivelmente bonita e inteligente; dotada de um conhecimento literário e uma agudez de espírito, uma sensibilidade poética e proprietária de grandes sonhos, como são todos os jovens que se possa imaginar; e um, declamado aos quatro ventos, amor exorbitante que a fez empurrar das ribanceiras o namorado que acabara de desatar o contrato romanesco, e que a deixara muito insatisfeita por suas vontades, e fazendo-a aceitar as escolhas assim decididas. Sentada na pedra do tijolo aos prantos surdos da grande “perda”, arrasada e aos xingamentos com o deus dos céus que, segundo ela, coitado, foi o culpado de todo aquele amor acabar. – não diria culpado pelo amor ter acabado da parte dele, mas pela fraqueza que se é permitida às criaturas como ela. – se é que Deus nos fez como diz o Pentateuco. Visto que, paradoxalmente houve um ato de atrocidade em nome do maior axioma da humanidade, o amor. E que segundo Jesus Cristo, este amor deveria ter a função do “bem-querer” ao invés do apenas querer e, contudo decidir sobre a vida do outro como se fosse a sua vontade o único bem. Temos aí um caso de dentes mordidos pela incompetência moral que nos é ensinada desde a infância, de que temos alguém ao invés de apenas estarmos com alguém ao namorar. – talvez seja este o maior problema dos relacionamentos humanos que nos faz pensar em posses de pessoas. – minha namorada, meu amigo, minha esposa, e por aí vai. A jovem moça, consternada pela insuficiência de seu amor próprio e pela vaidade do relacionamento convencional e comprobatório. Afirmava amar incondicionalmente (coisa clichê) o rapaz que já, naturalmente, se interessara por outra com mais apetrechos e compatibilidades genéticas. – assim é o ser humano. – o amor, ou em outras palavras, a vontade: é o desejo de posse que é convertido em uma permissividade existencial. Ninguém costuma amar o que não se tem nenhuma vontade atrativa. Por exemplo: o que não é belo; e ninguém costuma permitir que algo não atrativo, como por exemplo: o mal perdure. Assim foi aquele fim inaceitável de um romance que já levara três anos e uma carga emotivamente poética. – a poesia é também fruto da vaidade e do subterfúgio da insipidez. O rapaz caíra no chão escarpado depois de, honestamente confessar suas inconfidências poligâmicas à moça de coração egoísta e moralmente ultrapassado. Não houve morte, apenas uns arranhões e o orgulho ferido de quem o empurraram. “Um amor perdido...” era o último estribilho poético da estudante de letras. Um malgrado e um desejo de vingança desnecessário para além dos azedumes foi o que restou do que antes era o fruto do maior sentimento do mundo. – Ora. Faça me rir de outra forma que tudo aquilo era uma hipocrisia só. – Não guardo mais mágoas dessa última namorada.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Um crime ao criminoso talvez...

Na velha casa da Rua Juaneira, 43; uma família de indivíduos paupérrimos, mas indubitavelmente honestos e humildemente gentios; generosos ao ponto de acolher um pobre forasteiro que procurara abrigo numa tardizinha quase noite, já cansado e sem ter para onde ir. “jamais me esqueço daquela casa que dava com a frente para as belas acácias da praça e o quintal para um pequeno bosque do pequeno sítio...” A Srª da casa simpatizara-se com o rapaz que já vinha aos passos fartos de outras cidades. Um vendedor de biscates que já acabara todo o seu estoque e juntava nas meias dos sapatos toda a fortuna para uma viagem de regresso a sua casa para cuidar do pai. A casa era de quatro pessoas. O Sr que, já doente, descansava sua casca velha do sol que não o perdoou na vida; a Srª, já dita generosa; Um varão que trabalhava aos repúdios e ao mau-humor da vida abandonada pela mulher; e uma neta de 13 anos que, muito prendada, já ajudava os avós com os afazeres da casa. Sua mãe tinha ido para a cidade grande à procura de um emprego, dizia sua avó. Mas os rumores são de que havia abandonado aquela cidade e tudo que há dentro dela para viver com outro homem que não o pai da menina. O pai dela fora outro que desapareceu desde seus seis anos. Alvorada era o nome da cidade. Cidade pequena. Josué tinha seus vinte e três anos. Um rapaz sonhador e inteligente. De passagem pela cidade resolveu ver a praça e acabou por conhecer a velha Srª, que acabou lhe convidando para um café, que depois virou um jantar e acabou por uma dormida num quarto no fundo do quintal. Rapaz esperto, bom vendedor e de boas conversas. Sabia conquistar qualquer pessoa. A velha era povo de interior e povo de interior gosta de ser hospitaleiro, às vezes. – acho que certas gentilezas são o nosso maior infortúnio. A menina era educada; religiosa como a avó; usava vestidos bordados de flores e chinelas rasas. A idade era oportuna do desenvolvimento natural do corpo. Os seios já crescidos eram duros e pontudos. Uma moçinha muito bonita e de boca atraente. Certo batom de sua vaidade era um convite aos beijos para os meninos da vizinhança. Um olhar saliente de quem quer conhecer o mundo dos prazeres libidinosos. Amanhece o dia e vem o café da manhã. O rapaz é bem querido, uma boa figura, gente de confiança a primeira vista. O sábado é dia de feira e a avó precisa fazer as compras com o seu filho que se encarrega sempre de levar os pacotes. Enquanto a moça fica em casa a fazer o almoço e cuidar do avô que dorme mais um sono depois do café da manhã. Josué se despede agradecido com muito gosto e vai embora antes da Srª e o filho irem à feira. Há muito caminho pela frente e o seu pai precisara de mais algum dinheiro para interar os custos dos remédios. Uma toalha amarela esquecida no varal o fez voltar. O varal do sítio era grande e tinha várias toalhas, lençóis e tantos outros tecidos. A menina estava com um livro de cânticos e ensaiando um hino para o culto da noite. O vendedor de biscates veio buscar o que esquecera e encontrou uma menina de vestido curto e pernas à-vontades no chão gramado. “Oi... Vim buscar a minha toalha...” O sítio pareceu grande e tudo ficou surdo naquela hora. As pernas escarranchadas era um tipo de provocação voluptuosa e longe de qualquer ingenuidade. 13 anos é o primeiro cio e as virgens ficam aos delírios desvairados da juventude. Uma malícia, os lábios mordidos e as pernas abertas era de fato um convite. “ela quis e eu também...” – desejos naturais ou uma sacanagem que foi preferível aos louvores à Deus. A menina tinha idéias inusitadas para aquele momento lascivo. O gozo é o ápice da luxúria. Concebido o ato, ambos, cansados, deitados no bosque, olham o céu. O céu sempre azul. Mas o tio chega antes da hora imaginada pela menina. Enfurecido e cego pelo moralismo em honra da família, puxa uma faca do cós e começa a furar o pobre Josué, que tenta explicar o que não se pode explicar senão fugir. Um escândalo pela cidade aos berros do tio da moça a julgar um crime ao rapaz. Ninguém suporta um crime como esse. Josué tenta fugir, mas a feira está cheia de gente e as pessoas tomam as possíveis dores do tio e a interpretação é mesmo de que é um estuprador. Começam a lixar o rapaz. Ninguém entendeu que a sobrinha tinha desejos como todos os seres humanos. Josué, pobre menino também, foi morto à pedradas. Um voltar para buscar o que esqueceu. A polícia não pode prender todo mundo. Tratava-se de uma resposta de indignação da população que entendera um crime. – Justiça com as próprias mãos. A menina, em choque, nada pode dizer em voz mais alta que o tio. Talvez fosse melhor o silêncio. Mas o fato é que as vontades são perigosas e imprevisivelmente danosas. – sim, claro –, se ele tivesse renegado seus instintos não teria acontecido isso, talvez. Um crime ao criminoso talvez...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O grande sono...

O nublado deixou o dia frio, cinzento. Pouca iluminação. Não se vê o sol correr o céu como nos dias de verão. É o inverno que chega em sua calmaria quase mórbida. Os que sofrem de síndrome do pânico acham que o mundo irá acabar. Tem-se uma sensação de morte ou de que algo está pra morrer. Pré-sentimentos de agouros. “eu sempre senti isso...” uma agonia tépida e as salivas amargas. “Eu só estava indo ver a rua, na calçada, como nos fins de tarde de minha infância –, ah infância doce, agridoce. Mais doce do que acre. – eu era feliz na minha inocência sem saber do gosto escarlate. Lembro de meus sonhos e de meus amores. Vi tudo passar em vinte anos. Nada escapa do tempo. Ele é, sem dúvida, maior do que Deus. Quando Deus nasceu houve uma data, um tempo. Assim como hoje. “faltam três semanas para o meu aniversário.” Esse frio esgana até o peito. Dá pra sentir arrepios como nas noites de febre em que se está doente. Deus e o tempo deveriam nos poupar dessas coisas. Como se já não bastasse a vida ser efêmera demais, temos que, às vezes, sentir as convulsões de algumas doenças que nos mostram o quanto somos vermes. – acho que sou um verme aqui nesse chão. A luz está tão frouxa que mal dá pra vê o rosto dessas pessoas. Carol nem me ligou essa tarde. Ela liga mais à noite antes de dormir. Gosto de ouvir a voz dela como nenhuma outra. Mas hoje acho que nem vou mais falar com ela. Já estou com muito sono, e provavelmente já vou está dormindo quando ela ligar. A vida é, as vezes, apenas um romance e nada mais. As pessoas vivem por esse ofício, por esse subterfúgio que talvez é o maior sentido dela antes do ocaso. Em quase todos os sonhos existe um alguém que está do nosso lado. E já foi bom ter vivido só pra ver um pôr-do-sol e alguns beijos. – o chão está úmido. Não fiz nada de tão interessante hoje nem ontem... não realizei minhas vontades todas e as que realizei me trouxeram todas até aqui. “Minha mãe pediu para que eu fosse comprar o pão e eu quis tocar violão na calçada por mais alguns minutos, até que ouvi um barulho de uma moto...” – alguém pode ligar pra Carol? – quero dizer uma coisa pra ela... Dizer coisas é algo que se pode fazer. São assim todas as obras de artes, coisas ditas. Eu não disse quase nada e nenhuma obra deixei. Apenas alguns poeminhas que nem os amigos gostaram. É porque eles são amigos sinceros. – Que bom! Sou um verme mesmo aos pés de Álvares de Azevedo e Arthur Rimbaud que aos vinte anos já eram grandes poetas. “ninguém vai me levantar desse chão sujo, merda. Quero ir pra cama dormir.” Algo rubro entre os dentes me dá vontade de vomitar. Parece sangue... – os caras da moto passaram rápido, e outros dois vieram em seguida mas não estou me lembrando mais o que aconteceu –, acho que vou dormir aqui mesmo. “a minha mãe é quem vai ter que ir comprar o pão agora e se Carol ligar depois eu falo com ela.”

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Vago, às vezes, as ruas da madrugada.
Sozinho pelo orvalho e pelo frio da meia noite.
É como o inferno dos demônios, a lhe querer o açoite.
O derivar no escuro que antecede a alvorada.

E pelos postes amarelentos, o nortear da embriaguez
E não me erre os assassinos, a minha paz desarmada.
Já perdido, quase morto, aos delírios da insensatez.
Vou voltando, a passos bêbados, o caminho da ancorada.

Vago como um louco ou um poeta amante
A buscar, laborioso, a vida diletante
Ou me enganar com os prazeres da vida de um errante...

A noite vai-se indo aos raios da aurora...
Nem morri no asfalto; ainda posso ir embora
Realizar os sonhos nascidos em outrora.

A caminho de Pasárgada...

A caminho de Pasárgada passo por Persépolis.
Na entrada da cidade, Zoroastro, sentado à pedra
Diz-me que o mundo dos manes é dos grandes reis.
Sem amigos na cidadela, vago as ruas de vedra...

Em Persépolis, os montes verdes estão cinzentos;
Não vejo as árvores e suas sombras deleitosas.
Apenas o ocre da terra e os furiosos ventos;
Não há nas ribeiras do rio ciprestes de amoras...

Em Pasárgada sou inimigo do rei e dos hipócritas;
Não tenho escolhas, cama nem mulheres corruptas.
Sou o malquisto, no inferno dos prazeres dos Persas.

Pois roubei o facão da morte e tornei-me escuso.
Um pobre perdido, a cada esquina do acaso,
A espreitar a guilhotina do ocaso.
Eis o transunto de minha insensatez, o poema.
Pedaços de meu amor rebuscado, os versos.
E o diagnóstico é o papel escrito. Póstumo, amassado.
E o cesto do lixo não mais possui um espaço.
Mas minhas palavras rústicas, pretensiosas,
Como um grito. Querem ser ouvidas de longe.
Inebriantes como o perfume das virgens no vento...
Voava os céus e os mares,
Vagava, era o pássaro sem ninho
Sem chão nem galhos, sozinho.
A buscar o puro vento dos ares...

Era eu o mancebo voador,
Desatado das quimeras do amor,
A beber o néctar como o beija-flor
Das volúpias das virgens, sem pudor.

Era eu o maldito devasso,
Das luxúrias vividas,
Das paixões pervertidas...

Era eu e ainda sou.
Mas desta vez, um amor
Pra guiar o caminho pr’ onde vou.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Aguarda-me, na curvatura do rio, o Caronte.
Disse-vos que não morro nem pago a moeda...
Orfeu desceu o inferno de Hades em sua arreda.
Eu nado,se possível for, o próprio Aqueronte.

Nem a barca do inferno será minhas rédeas.
Eu sou o velho moço com a espada na mão...
Correndo os campos verdosos das eqüídeas,
Em quase vôos alçados como os pássaros ao chão.

E é pela guerra e pelo amor que na morte eu luto.
E de luto retorno nas noites em que a escuridão
De serena me faz te lembrar como o meu galardão...

E sou o lutador escarlate que escorre em gotejo.
Sou a quimera dos sonhos dos inimigos...
O amante da vida à deriva do desejo.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Góia

Não cresci nos campos de relvas
Nem na cidade cinzenta de paris.
Vim das periferias, das vielas quase selvas
De onde me faço escapar por um triz.

Eu que bebi e fumei
Sem ser um boêmio,
Que escrevi e cantei
Sem ser nenhum gênio...

Eu que sou fumaça tragada,
A góia* suja, estragada,
A folha de papel amarrotada...

Não pude ser o grande poeta
Mas fui o grande obstetra
Que pari as dores de mim.

*góia é o que restou do cigarro.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Pude ver num instante
Sob a cor dos olhos ébanos,
Num brilho fulminante
O que precisamente éramos.

E éramos como o sol,
Quente e avermelhado,
Doce como o enol
E silenciosamente gralheados.

Éramos divertidamente livres,
Éramos mais do que seres,
Éramos divinamente líderes...

De nós e daquele instante
E ainda somos ainda...
Até quando quisermos ser.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Do atrito de nossas epidermes molhadas;
De nossos cabelos entrelaçados e dedos;
Do perfume de nossos pescoços acesos,
Do brilho de nossas salivas enroscadas...

Eu que sempre fui libertário
Dos jugos do que se pode fazer...
Eu que sempre fui visionário
Dos meus feitos e do que pude ser...

Aqui me vejo atrelado aos teus beijos,
Aos teus abraços e rostos tocados, mulher.
Vejo-me nas correntes do vento do desejo...

Pois sou, desde então, a loucura
Da liberdade atadas às venturas
Dos sonhos em que se faz o que quer.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O Libertino...

Vim de longe como o vento enfurecido
A borrifar os prantos da saudade apaixonada
Sob o chão de terra rociado, humedecido
Plantando rosas pra minha musa idolatrada.

Quem dera eu fosse o bardo de seus versos preferidos
Pra compensar o asco de minha vida devassada
E enaltecer o jovem de nome empobrecido
Diante a face da moça de feição imaculada.

Ai se eu fosse o sonho da noite mal-velada,
A insônia sob a luz dos vaga-lumes,
O desejo do inconsciente adormecido.

Vagando libertino, feito ondas do mar
Atado ao tempo deste sono profundo,
Vejo-te nas pálpebras quando pretendo sonhar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Foram os pirilampos que me fizeram lembrar... Naquelas noites mal dormidas em que não se pode sonhar –, senão acordado. Foi que pude ver no escuro, aos relampejos nas urzes dos campos, os pirilampos em seus romances a dois. E então lembrar era o sonho naquela insônia da noite entre a janela e o travesseiro. E me via na infância, com um sorriso nostálgico, a namorar na cancela. Saudosa criança eu fui, que corria atrás das troças das bandas que tocavam canções de amor; que rabiscava os cadernos com poesias e sonhos... Mas a fronte franze com o tempo e nos tornamos velhos –, mesmo sendo jovens. E caducos ficamos, desiludidos com o fardo que carregamos, com os dias desventurados de nossa vida curta. E de não restar tanto júbilo, pouco importa tantas coisas, senão o que custa às lembranças. O arroubo de hoje tem sido as aventuras efêmeras que não passam de experiências para um pobre ator. Mas a musa que vejo nos sonhos e que escreve poemas é a que tem me tornado o que eu sempre fui, o que sempre serei.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Aos pássaros que voam
E do alto nos vêem aqui
Em baixo;
Mas alto ainda, as nuvens
Vestidas de branco,
Que no inverno chovem
Para lavar os prantos
Dos amores perdidos, findados...
Aos de corações sofridos
Que a vida regelou-lhes o peso,
O malfado...
Aos que já estão mortos,
Que jamais beberão este vinho
Nem um gole sequer...
Aos que nos deixaram seus nomes
Escritos na memória...
Aos que já chegaram ao fim
Depois de seus pequenos passos
Lá no início...
E à morte
Que vem do precipício,
E que é a vida dos romances
Acabados...
Uma saúde!!!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A cada instante uma queda
No abismo das palavras malditas,
A mercê de um estouro ao tocar o chão.
O tempo lhe empurra pelas costas
E caindo grita o poeta
A prantos de seu destino
Que não o tem em suas mãos.
Injuriado escreve os sonhos
Pra ensinar a deus o que fazer
Com sua varinha de condão.

Washington Machado
04 – 09 – 09

Sem tantas pretensões

Longe da hipocrisia dos céticos
Digo que amo
Como se faz qualquer coisa na vida,
Como se deita na grama a olhar o céu...
Sem tantas pretensões.
E busco
Nos afagos líricos dos versos
O beijo que não dei,
A musa com quem não deitei,
Os sonhos que ainda hei de sonhar.
Longe das regras litúrgicas
Do medo da morte
O desejo mais vaidoso:
A liberdade...
Antes de tudo acabar.

Washington Machado
01 – 09 – 09

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Amigos leitores. Ao que neste caderno de rascunhos escritos de um não-poeta serão exibidos são, não mais que palavras soltas, livres, de uma mente aprisionada pela ordem exterior, e que, desde a infância (não trata-se de sonhos apenas), tenta expor ao mundo tudo aquilo que é endógeno ao pensamento; aquilo que brota no interior da essência ou que, talvez, possa chamar-se poesia. Vítimas somos, sempre, que algo tenta nos limitar, impedir, impor regras, subjugar e determinar por uma ordem que estamos errados, que estamos provocando o caos, a desordem do sistema. Ora, ao que aqui será posto, será algo da maior caoticidade possível. Pois, percebendo as estrelas: elas não obedecem ordens; explodem na barafunda de suas moléculas atraídas, perfurando a escuridão do infinito com o aceso de sua ternura. Amigos, sem pretensões não maiores que a liberdade, digo: É preciso provocar o caos para fazer nascer a ordem. Aqui, um pouco desse estilo poético.

domingo, 21 de junho de 2009

Depressa.

O que não vale à pena é morrer depressa.
Antes que a língua se enrosque em outra;
De uma vez, pra sempre.
Há tanto o que saborear.
Até o amargo entre os dentes
Que o ódio nos traz gentilmente.
– Droga, ele deve achar que é doce.
– Tudo bem.
O que não vale é esperar o tempo.
Ele que corra atrás de mim, não tenho tempo pra ele.
Afinal, tudo termina.
Aliás, já terminou.
O que resta são mais algumas incertezas.
E acho que dá tempo de escrever outra poesia.

14, 06, 2009.

sexta-feira, 6 de março de 2009


O tempo passa. E consigo leva um pedaço de mim. Deixando-me apenas os sonhos, as lembranças e aquele instante fugaz. Como se fosse um grande presente inopinado, diluído no espaço. Em troca, ele me aproxima da morte, do esquecimento e do fim. E vai me distanciando aos poucos dos momentos felizes, de todos os momentos. Não consigo escapar!
O tempo corrói a minha existência vil. Deixando-me solto nos abruptos dias dissipados, insípidos. Em cada hora, minuto ou segundo, o que me resta a fazer, em cada compasso do tempo?
Sou inócuo do acaso que ele me oprime. Mas aqui estou... Tão preso e tão só, pagando a sentença. O tempo consome meu tempo. Que crime insano. Não sei de onde vim, nem sei pra onde vou. Não consigo escapar!
O tempo passa e destrói o meu ser, a minha agonia, a minha dor, e o meu amor. Não sabe o tempo, que somos cúmplices um do outro, nessa perpétua ilusão...
O tempo fica e eu vou. Mas ele só existe por causa de mim...
Washington Machado
24 - 07 - 08
O Artista...

Ele veio sorrindo, cantando,
Dizendo alegres versões.
Seu rosto pintado de cor
E os olhos a brilhar.
Cheio de sonhos,
E de conquistas pra contar.
Tudo era ótimo,
Tudo era belo
Até o show acabar.
Doces momentos fantásticos
Antes de em casa chegar.
E ouvir o silêncio e a dor...
Míseras flores murchas.
Pobres borboletas mortas.
Sozinho o palhaço chorou.
Paredes sufocantes,
Quadros e livros...
Mas uma noite acabou

(Washington Machado)

A cortina fechou.

A cortina fechou
Com apenas duas palavras.
Foram-se todos os sentimentos
Como que os ventos levassem para longe.
Nem a razão,
Nem os sonhos,
Nada restou.
Com apenas duas palavras
Tudo se foi
Até as frases de amor.
O sorriso do rosto,
Os abraços,
A flor...
Só restaram lembranças
Do que aconteceu.
O que você tem a dizer
Da sorte,
Dos ventos,
O preço que se pagou.
A cortina fechou
Com apenas duas palavras.
Nem os desejos,
Nem os versos,
Nada restou.
Foram-se todos.
Até os olhos
Cheios de lágrimas,
Não foram capazes de mudar...
A cortina fechou
Com apenas duas palavras.
Nem as músicas,
Nem as luzes.
O teatro acabou.
E a cortina fechou
Com apenas duas palavras.
Washington Machado
14-04-08

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